Folha de S. Paulo


Assassinato do Estado

Estupefato, o país acompanhou a barbárie do sequestro e assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. A hipótese de crime político apavora. Faz lembrar os anos de chumbo e seria um golpe na democracia. Há intrigantes e preocupantes indícios nesse sentido.
A tese de crime "comum" também é aterrorizante. Escancara a falência da segurança em São Paulo, envolta numa onda sem precedentes de sequestros, chacinas, homicídios e fugas espetaculares de presídios.
O diagnóstico das causas da violência é conhecido. Passa pela desigualdade de renda, pela impunidade, pela corrupção. As saídas são apontadas pelos especialistas: é preciso atacar as raízes sociais e econômicas do problema. A curto prazo, é necessário frear o colapso na segurança com ações inteligentes no âmbito da polícia.
Se as razões estruturais do macroproblema (concentração de renda) permaneceram intactas nos últimos anos, o mesmo não se pode dizer da esfera policial da questão da violência. A segurança pública degringolou e sucumbiu perante o crime organizado e desorganizado.
Na origem desse desastre está o desmanche deliberado do Estado. Os arautos do Estado mínimo que governam o país nos últimos anos enxugaram as estruturas do funcionalismo (onde estão policiais e empregados na Justiça e nos presídios), apertaram salários e cortaram investimentos.
O resultado está nas ruas. Quem pode pagar tem segurança na calçada, guarda-costas, carro blindado, cães de guarda. A segurança foi privatizada de forma inédita e parecia ser o passaporte fácil para o bem-estar dos ricos.
Hoje se enxerga que todo o esforço individualizado, ainda que bem pago, é insuficiente para atacar o problema. Segurança é coisa pública, de Estado. Não por acaso, todo o rosário de idéias para enfrentar o problema depende de ações estatais: é a polícia, é a Justiça, o sistema penitenciário, a Febem etc. Não existe solução isolada, privada.
É bom lembrar que um dos principais argumentos dos defensores do encolhimento do Estado era a necessidade de os investimentos públicos se concentrarem nas suas áreas típicas: saúde, educação, segurança. Era preciso deixar de gastar em estradas, ferrovias, telefonia, siderurgia etc. para que o dinheiro fosse empregado no essencial para o bem-estar geral.
A privatização correu solta, mas, em contrapartida, onde estão os avanços do Estado? As universidades públicas, por exemplo, vivem em agonia e o ensino pago prosperou como nunca -com resultados questionáveis do ponto de vista dos alunos.
O desastre da segurança pública faz parte desse mesmo quadro. Como já ocorreu quando a professora Geísa Gonçalves foi morta no sequestro do ônibus no Rio, o governo anuncia na TV dezenas de medidas.
Mas, se prevalecer a experiência passada, vai ser mais um plano para não sair do papel. O desenho político atual não comporta uma intervenção forte do Estado. Estamos sob o signo do salve-se quem puder.
Espanta ouvir os responsáveis por essa opção política agora se declararem indignados com a situação. Afinal, quem é responsável?


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