Folha de S. Paulo


Mudar para não mudar

Depois de 71 anos, os mexicanos cansaram do Partido Revolucionário Institucional. O PRI nasceu de uma revolução, implantou um dos mais radicais processos de reforma agrária do mundo e estatizou empresas. Nas últimas décadas, mudou de rumo. Foi domesticado de acordo com os interesses dos Estados Unidos e aderiu ao Nafta, o tratado comercial entre os dois países.
Suas elites foram estudar nas universidades norte-americanas e adotaram o receituário vendido para a periferia pelos países ricos: abertura de mercados e privatização total. O expoente dessa política foi Carlos Salinas de Gortari. Apresentado como "grande estadista", vendeu estatais a amigos seus e participou de um esquema monumental de corrupção e de tráfico de drogas. Hoje, está foragido da Justiça.
Após Salinas, no final de 94, o México quebrou de novo. Os juros explodiram, veio a recessão. Os EUA entraram com um socorro (tendo o petróleo como garantia), e os números do país melhoraram. Com mão-de-obra barata, as maquiladoras do norte ampliaram as exportações para o mercado norte-americano.
O crescimento do PIB ocorreu, mas não trouxe melhoria nas condições sociais. Pelo contrário, a concentração de renda aumentou nos últimos anos. Quem não consegue trabalho nas maquiladoras arrisca-se a atravessar a fronteira e ser recebido a bala pelos fazendeiros dos EUA. (O Nafta, como se sabe, não estabelece o livre trânsito de pessoas, só de mercadorias.)
A piora nas condições de vida talvez ajude a explicar a histórica derrota do PRI no último domingo. Mas a vitória do direitista Vicente Fox Quesada deve ter outros ingredientes. Análises feitas há dois anos apostavam que a esquerda iria galvanizar o descontentamento com o megapartido mexicano e seu modelo de adesão aos EUA. Não aconteceu. Por que Fox ganhou?
Contam que a administração de esquerda na Cidade do México foi ruim e desacreditou o candidato Cárdenas. Pode ser. Mas o fato é que Fox aglutinou o grupo anti-PRI. Ex-governador, ele prometeu de tudo e enfatizou seu lado empresarial como ex-executivo da Coca-Cola. Adotou um marketing aguerrido e orientou assessores a vendê-lo como um produto de consumo.
Utilizou cartazes com a Virgem de Guadalupe e assumiu a imagem do "homem de Marlboro". Usou botas para resgatar sua infância no interior. (Ironicamente, sua família foi beneficiada pela reforma agrária do PRI na primeira metade do século). Para o "caçador de marajás" mexicano, só faltou o gel no cabelo.
Seu partido, o PAN, inspirado no generalíssimo Franco, nasceu como reação à reforma agrária e à estatização. Agora, PAN e PRI tocam, basicamente, a mesma sinfonia. Fox promete radicalizar a abertura promovida por Salinas. Embora fuja do tema, já falou em privatizar a Pemex, a sexta petrolífera do mundo -a jóia da coroa de lá. A discussão sobre a Alca deve ter novo impulso.
Sua vitória mexe com a estrutura política do país, mas deixa intacta a estrutura de poder econômico das elites mexicanas. Quem diz isso é o próprio assessor de Fox, o sociólogo de esquerda Jorge Castañeda.
O Brasil não é o México. Mas olhar a experiência de lá pode trazer lembranças do passado e servir para encarar o futuro. Vamos ver o que virá em 2002.


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