Folha de S. Paulo


Incertezas na festa

São Paulo - No planejamento oficial, era para ser uma festa. Mas a trégua social do Carnaval já passou e o ambiente está tenso na terra do redescobrimento. O presidente da República, que deveria comandar tudo, já reduziu sua participação nos eventos projetados para entrar na história.
Ele está com medo de protestos e teme por sua segurança. Nos últimos dias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra anunciou centenas de invasões (eles querem fazer 500 para marcar a data), e cresceram as manifestações indígenas.
Deve ser constrangedor para o presidente ter que escapulir de manifestações e deixar de ir a rega-bofes. A incerteza sobre a dimensão do repúdio público geralmente se transforma em recuo. O vacilo vira paralisia. A melhor saída acaba em um esconderijo.
Nossa história está cheia desses movimentos obtusos. Nesses 500 anos, as elites evitaram o povaréu e, com alguns momentos de exceção, amesquinharam a construção do país. Sem projeto próprio, foram sendo abocanhadas e levaram seus sonhos para Paris, Nova York ou Miami.
Nos festejos dos 500 anos de Brasil, o balanço dos tropeços de nossa trajetória é inevitável. Sem conseguir sair da periferia do mundo, o país teve lampejos de desenvolvimento, sempre solapados. Na vida recente, perdemos as duas últimas décadas.
Será mesmo? Se é verdade que o crescimento foi pífio nos últimos 20 anos e que a distribuição de renda continuou péssima, no terreno político podemos contabilizar avanços. A redemocratização recuperou a pressão da opinião pública. O novíssimo exemplo é o que aconteceu ontem na Câmara Municipal de São Paulo.
Mas a nuvem de incerteza continua sobre o país. Por causa de nossa sufocante dependência externa, a festa de aniversário ocorre sob o temor do mercado financeiro norte-americano. Um baque lá seria um desastre aqui.
Não se sabe de que o presidente Fernando Henrique tem mais medo: dos sem-terra ou do índice Nasdaq.


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