Folha de S. Paulo


Treze tiros

São Paulo - Aconteceu no início da aula de português. O professor fazia a chamada. Alguns alunos jogavam cartas. De repente, a discussão sobre uma dívida de R$ 10 descambou para o xingamento e a provocação. Um dos estudantes sacou uma arma. Foram 13 tiros. Élcio de Souza, 18, ainda agonizou no meio da classe por alguns minutos.
O caso foi numa escola pública de Guarulhos, na Grande São Paulo, na turma da noite. Filho de um marmorista, Élcio queria ficar famoso jogando futebol -a janela de sonho de todo o garoto pobre de periferia. Já tinha conseguido o primeiro lugar no teste físico que fizera na véspera de morrer.
O assassinato de Élcio foi o 11º registrado em escolas (ou nas suas proximidades) no Estado de São Paulo somente neste ano. Quase o mesmo número de mortes da tragédia do Colorado, onde dois alunos trucidaram 13 colegas, espalhando bombas e pânico por salas de aula, biblioteca e refeitório.
Aqui, as mortes quase sempre ocorreram em instituições públicas de regiões pobres. Envolveram pessoas simples que se mataram por motivos estúpidos. Foram pingando assim, misturadas com relatos de baleados, esfaqueados e drogados em salas de aula.
Talvez porque atinja personagens pobres como filhos de marmoristas e ocorra em capítulos esparsos, a torrente de assassinatos em escolas paulistas não chamou atenção como a matança do Colorado. Sem imagens de filme de terror, não criou comoção.
Lá, tudo é diferente. O pai de um dos assassinos era geofísico; o do outro, piloto condecorado da Força Aérea. Ambos viviam em casas confortáveis e surfavam na Internet. No mesmo patamar social estavam suas vítimas.
Uma avalanche de teorias (novas e velhas) tenta explicar a ação tresloucada. Seria influência da TV? Da desagregação da família? Do livre comércio de armas? Da atitude permissiva dos pais?
Aqui, as razões para mortes como a de Élcio devem estar em tudo isso e muito mais. É só ver as diferenças entre marmoristas e geofísicos.


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