Folha de S. Paulo


Mulheres de farinha

São Paulo - É estarrecedor o caso das pílulas de farinha de trigo do laboratório Schering. Distribuídas como se fossem anticoncepcionais, elas provocaram a gravidez indesejada em pelo menos cinco mulheres.
A fábrica, temporariamente fechada, admite ter produzido duas toneladas de remédio falso. Isso pode significar o derrame no mercado de até 1 milhão de cartelas sem qualquer efeito para quem não quer engravidar.
O laboratório alega que o medicamento foi produzido só para testar uma máquina e que deveria ter sido incinerado. Não foi. Depois, sempre segundo a empresa, foi furtado e acabou chegando às farmácias. Tudo sem o conhecimento do fabricante.
É uma história, até agora, muito malcontada. A Schering tentou encobrir o problema e só reconheceu o desastre quando foi forçada pela mídia. Agora se sabe que ela demorou 30 dias para denunciar à polícia o suposto furto do remédio adulterado.
Muitas perguntas estão sem respostas. Por que o laboratório não acusou de imediato o furto? Como é feito o seu controle de produção e de estoque? É possível que duas toneladas saiam de seus portões e ninguém saiba o destino final? Quem é responsável pelo crime?
Uma história assim dificilmente aconteceria na Alemanha (sede da empresa). Ou nos Estados Unidos. Lá é possível imaginar a avalanche de ações de ressarcimento na Justiça. E a onda de protestos que provocaria.
Aqui, as mulheres atingidas pela fraude, grávidas, vão tentar buscar na Justiça alguma forma de indenização. Terão que encontrar provas, testemunhas; buscar laudos, receitas médicas. Enquanto isso, as crianças chegarão.
Por enquanto, elas dão entrevistas, recebem visitas de autoridades. Daqui a pouco, estarão sozinhas trocando fraldas. A preocupação da indústria não estará voltada para elas, que consumiram a pílula mais barata do mercado. O interesse se curvará, de novo, para o usuário do Viagra. Aqui, elas são apenas mulheres de farinha.


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