Folha de S. Paulo


Repetidas vezes

O governo brasileiro nunca entendeu muito bem como funciona essa tal de indústria automotiva. Não me refiro à gestão atual, mas a todas desde que Santos Dumont passeou de Peugeot por São Paulo, no fim do século 19.

JK tentou mostrar algum conhecimento ao estimular a produção local -a balança comercial era prejudicada pelos veículos importados. Surgia o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), parte vultosa do Plano de Metas.

Houve restrições aos importados, o que fez as multinacionais fortalecerem operações no Brasil. Empresas que já traziam carros desmontados contaram com ajudinhas cambiais e isenções de tributos. A cena que representou esse período foi a de Juscelino desfilando de Fusca sem teto pela fábrica da VW em São Bernardo do Campo (SP), em 1959.

Depois veio a expansão do setor, novas restrições, a crise do petróleo. A cada movimento, as fabricantes se queixavam das incertezas e adulavam governos em busca de ajuda.

Do seu lado, os palacianos mexeram e remexeram nas regras de importações, ao mesmo tempo que anunciavam incentivos pontuais sem ter um plano sólido a caminho.

Não faltam provas de que os discursos não mudam. Em 1992, a indústria queria redução de impostos. Recém-empossado após a queda de Collor, Itamar queria o Fusca.

Para agradar ao homem, o carro voltou à linha de produção -com direito a tributação de modelo popular. E, claro, o presidente passeou pela fábrica de fusquinha conversível.

Às vésperas do relançamento do Volks, o governo dizia esperar que as montadoras diminuíssem suas margens de lucro. Foi o mesmo que Guido Mantega falou 11 anos depois, ao estender pela sexta vez a redução do IPI, em 2014.

Eis outra "coincidência histórica": um dos argumentos que justificaram a volta do Fusca foi o número de empregos gerados. Por ser um projeto anterior à robotização das fábricas, a VW precisaria contratar muitos operários. Abrir ou manter vagas foi e é parte fundamental de qualquer discussão entre governo e montadoras, seja com JK, Itamar, FHC, Lula ou Dilma.

O Geia completa 60 anos em 2016, e os carros evoluíram muito. Mas parece que o planejamento para o setor continua preso à imagem de um presidente acenando em carro aberto, pronto a conceder estímulos pontuais e sem ter a menor ideia de onde aquilo vai parar.


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