Folha de S. Paulo


Somos todos barbeiros

ELE VINHA de fone no ouvido e celular na mão. Digitava algo e, vez por outra, erguia os olhos para ver o que estava adiante. Passou por mim e varou um sinal fechado sem reduzir. Era um ciclista, bem jovem, entretido em seu mundo digital.

Eu esperava para atravessar a rua e estava fora da faixa de pedestres. Tinha uma a poucos metros de distância, não havia razão para estar no lugar errado. O ciclista agia com imprudência, eu também.

Em resumo: somos todos barbeiros. De bicicleta ou a pé, de carro ou de moto. Erramos nas ruas dia após dia, mesmo sem perceber. A falta de educação para o trânsito é endêmica no Brasil.

A pesquisa da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) divulgada pela Folha nesta sexta-feira (24) dá números que explicitam nossa inapetência urbana.

Submetidos a um teste em simulador de direção, motoristas que circulam por São Paulo revelaram os erros mais comuns. Falta de respeito ao pedestre, excesso de velocidade e ultrapassagens proibidas figuram no topo da lista de barbeiragens.

Agora pegue o ciclista distraído, o pedestre imprudente e o motorista irresponsável e os coloque em um mesmo espaço. Acrescente uma turba de motociclistas zunindo entre os carros e tempere a gosto com buzinas, xingamentos e acusações mútuas. Não soa familiar?

O cenário reflete a intolerância vigente. O motorista critica a ciclofaixa por perder vagas para seu carro, sem pensar no quanto a cidade tem a ganhar com novas alternativas de mobilidade, mesmo que os resultados não sejam imediatos.

Já o pessoal da bike faz protesto e cara feia para os motoristas, dividindo a cidade entre "nós e eles", mocinhos e vilões.

Esses embates explicitam a falta de educação para o trânsito, pois ignorar regras, benefícios e direitos leva o homem a não se colocar no lugar do outro, nem assumir suas próprias limitações. A partir daí, o universo caminha para o caos.


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