Folha de S. Paulo


Mais que airbags ou ABS

O carro era branco, bem como o boné do motorista. Ele estava tão próximo do meu para-choque traseiro que quase pude ver as horas no seu relógio, que reluzia no pulso sobre o topo do volante. A cena se passou em um sábado de sol, pela manhã, na rodovia Ayrton Senna.

Foi assim que o rapaz de boné branco pediu passagem. Juntou seu carro ao meu, parecíamos locomotiva e vagão. Não deu seta, não manteve distância segura. Apenas colou na traseira e esperou minha reação. Sinalizei para a direita, abri passagem. Vá em paz.

Ele sumiu na rodovia, tão rápido como quem tem pressa de chegar a lugar algum. Certamente você já deve ter cruzado com alguém assim na estrada, e espero que não seja esse o seu perfil.

Eis o lado nefasto do automóvel: o poder de deslocar-se a velocidades impossíveis para nossas pernas e a falsa sensação de segurança proporcionada por uma tonelada de aço liberta o Mr. Hyde que se esconde em nós. Não fosse assim, talvez a segurança dos carros não precisasse evoluir tanto.

Mas, infelizmente, é assim. O comportamento pouco responsável de motoristas Brasil afora não vê classe social, ano ou modelo. A falta de educação pode estar ao volante de um Porsche ou de um carro popular com muitos anos de uso. A estupidez é democrática e inclusiva, não vê conta bancária.

Isso torna ainda mais importante a discussão sobre a segurança de nossos carros. Não são as máquinas as principais responsáveis pela sobrevivência de motoristas e passageiros, mas torná-las mais seguras ajudará a diminuir o número de vítimas do trânsito.

Contudo, a coisa só irá evoluir de verdade quando o número de acidentes diminuir e deixarmos de ser vítimas de nós mesmos. A má formação de condutores, as estradas em péssimo estado e o desconhecimento de regras básicas de segurança e de manutenção matam mais do que a falta de airbags ou freios ABS.


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