Folha de S. Paulo


Após refugos históricos, Santiago volta a abraçar o Pan

Guillermo Arias/Xinhua
Torcida do Chile em partida da seleção local de futebol

Santiago, a capital do Chile, vai organizar os Jogos Pan-Americanos de 2023. Restou como a única candidata para abrigar o evento, depois que Buenos Aires se retirou da disputa em abril, deixando o caminho livre.

Além disso, recentemente o esporte do Chile mostrou força na região, quando o presidente do comitê olímpico do país, Neven Iván Ilic, foi eleito presidente da Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana) e, em setembro, passou a ser membro do COI (Comitê Olímpico Internacional).

O brasileiro Carlos Arthur Nuzman,posteriormente preso e solto como suspeito de envolvimento no escândalo da compra de votos para que a Olimpíada-2016 fosse no Rio, perdeu o pleito na Odepa.

Os 41 comitês olímpicos que integram aquela entidade ratificaram a escolha da capital chilena, que já havia renunciado duas vezes à organização do Pan. Em 1975, Santiago seria a sede, mas o golpe de Estado ocorrido dois anos antes, que levou o país à sanguinária ditadura liderada pelo general Augusto Pinochet, abortou a competição.

Porto Rico, a sede suplente, desistiu, optando por mais tempo na preparação para o encargo, que acabou ocorrendo em San Juan, em 1979.

Ricardo Moraes/Reuters
Preso e depois solto no Brasil, Nuzman perdeu eleição na Odepa

A tarefa foi assumida pelo Brasil, que também abdicou sob alegação de riscos em função de uma epidemia meningite. Também sob ditadura militar e rígido controle da informação, nada ficou claro.

Outra versão despontou nos bastidores. A renúncia brasileira havia sido motivada por temor de reveses do governo, que necessitava de verbas para respaldar seus políticos diante da crescente insatisfação popular.

A Cidade do México foi a saída. Com a experiência adquirida na organização da Olimpíada de 1968 e da Copa do Mundo de 1970, os mexicanos deram conta do recado com apenas 10 meses de preparativos.

Santiago insistiu, pleiteou e ganhou novamente a sede dos Jogos, na edição de 1987. Mas ainda sem resolver sua questão política, o país voltou a refugar. Suplente, o Equador desistiu. A norte-americana Indianápolis, que pretendia o Pan de 1991, antecipou seus planos e assumiu.

Aqueles Jogos nos EUA ficaram marcados pela vitoriosa campanha da seleção masculina de basquete do Brasil, consagrada na célebre vitória final contra a temível equipe dos EUA. Quem não se lembra das fantásticas cestas de Oscar e Marcel?

Agora, com o Chile caminhando em paz e dentro da normalidade –política, social e econômica–, espera-se que não ocorra nenhuma reviravolta.

O Rio, em 2007, teve um gasto público com o Pan de R$ 3,7 bilhões (esse valor atualizado seria hoje R$ 6,7 bilhões). A proposta chilena aponta uma projeção de gastos bem menor: US$ 500 milhões (cerca de R$ 1,63 bilhão), dos quais US$ 200 milhões seriam para as obras da Vila dos Atletas, em área do antigo aeroporto de Cerrillos.

Como sempre acontece quando cidades apresentam projetos para receber grandes eventos esportivos, os valores costumam ser puxados para baixo, deixando a proposta mais viável. Depois, com os prazos para o término das obras estourando, os valores sobem assustadoramente.

Pode não ser justo, mas é o que ocorre. Lá, como em todas as sedes esportivas, a oportunidade serve de palanque para políticos, que realçam a hipótese de a iniciativa privada assumir o evento lado a lado com o Estado. Foi o que fez a presidente do país, Michelle Bachelet. Mas esse tipo de enredo todos conhecem, acaba sempre no bolso do contribuinte.

O Pan é uma competição que vem perdendo relevância esportiva a cada nova edição. Entretanto, continua despertando interesse da TV e a sua divulgação é vitrine para os esportes na busca de apoio.

Toronto, no Canadá, promoveu o último Pan, em 2015. Naquela competição, o Brasil terminou em terceiro com 141 medalhas (78 de ouro), atrás dos EUA, com 265 (103) e do Canadá, com 217 (78).

O próximo Pan está programado para Lima, no Peru, em 2019, de 26 de julho a 11 de agosto. Mas já balançou, por causa de atraso no início das obras e das fortes chuvas no primeiro semestre deste ano, que provocaram danos e desvios de recursos públicos para o socorro na tragédia.

O presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, não vacilou nem perdeu o microfone. Disse que o país estava preparado e que ia adiante com os Jogos.

Mostrou reação. Sua determinação pareceu convincente, embora uma infeliz coincidência deixou rastro de suspeita. A declaração foi dada em 1o. de abril, Dia da Mentira. Haja coração!


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