Folha de S. Paulo


Um ano após Rio-2016, vaia volta a atrair holofotes no atletismo

Matt Dunham/Associated Press
Justin Gatlin (de azul) e Usain Bolt se abraçam após final dos 100 m do Mundial de atletismo
Justin Gatlin (de azul) e Usain Bolt se abraçam após final dos 100 m do Mundial de atletismo

O Mundial de Londres deixou claro já no seu início que no atletismo vitória não se conquista de véspera. O americano Justin Gatlin, 35, um perdedor contumaz diante de Usain Bolt, 31, desta vez se superou e ganhou aquela que talvez tenha sido a mais esperada prova do campeoníssimo rival jamaicano.

Na despedida dos 100 m rasos do até então imbatível Bolt, Gatlin levou o ouro e o compatriota dele Christian Coleman, 21, ficou com a prata. Os americanos deixaram um amargo bronze de consolo para Bolt. A vida é implacável, prega peças quando menos se espera.

Gatlin, por sua vez, é daquele tipo azarado que, com certeza, nasceu no tempo errado. Bolt, velocista excepcional, fora de série, esteve sempre lá, na pista, para atrapalhar os planos do americano.

Obcecado por vitórias e correndo atrás delas, Gatlin vacilou nas tentações e acabou flagrado duas vezes por doping. Foi punido e se reabilitou. Hoje sua carreira de corredor está bem perto do final, como a de Bolt, que se antecipou e inclusive marcou para este Mundial a data de sua aposentadoria.

Uma manifestação peculiar dos torcedores tornou mais picante o 5 de agosto, o da jornada vitoriosa do novo campeão da prova mais nobre do atletismo, no estádio olímpico de Londres.

Gatlin recebeu vaias de torcedores antes e depois da conquista do ouro. Qual o motivo? Não se sabe se pela sua folha corrida (doping), pelo excesso de simpatia dos torcedores por Bolt, ou pelas duas coisas.

As vaias são corriqueiras em eventos esportivos, especialmente no futebol, que tanto vivenciamos no dia a dia. Entretanto, elas são pouco presentes em competições de atletismo e de alguns outros esportes. Exatamente um ano antes, o mundo acompanhou a abertura da Olimpíada do Rio.

Coincidentemente, durante aquelas disputas ocorreu manifestação semelhante no atletismo: vaias, que soaram estranhas para muitos esportistas e fãs da modalidade. Foi na prova do salto com vara, marcada por inédita vitória de um brasileiro, Thiago Braz.

As vaias tiveram um alvo: o francês Renaud Lavillenie, recordista mundial da especialidade e rival de Braz na decisão da medalha de ouro.

Irritado com a derrota, Lavillenie extrapolou ao repudiar as vaias, comparando-as com manifestações semelhantes na Olimpíada de Berlim-1936, dirigidas ao americano Jesse Owens. Este ganhou quatro ouros naquela oportunidade, golpeando a ideologia racista de superioridade ariana pregada pelo líder nazista Adolf Hitler, que estava no estádio.

Mais calmo, Lavillenie chegou a admitir posteriormente que havia exagerado no desabafo, embora tenha reafirmado o desapontamento pela falta de fair play, de elegância e de educação dos torcedores. O episódio foi explorado pela mídia em geral.

Vaias são manifestações agressivas ou apenas pecado insignificante no mundo dos esportes? Se muito ofensivas são capazes de provocar efeitos imprevisíveis, como o de um revólver na mão de macaco. Podem estimular uma forte reação e ajudar na melhora da performance do alvo.

A paixão esportiva e a ansiedade da torcida pela vitória a qualquer custo são arrebatadores para impulsionar esse tipo de manifestação. Mas os estádios contemplam vaias e vaias.

Dilma Rousseff na Copa do Mundo de futebol e Michel Temer na Olimpíada também passaram por essa experiência. Ficaram calados. Foi menos ruim para ambos, pois a voz das arquibancadas era outra, bem diferente.


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