Folha de S. Paulo


Não é fácil o salto com vara abrir espaço, apesar da medalha olímpica

Maior surpresa da delegação brasileira na Olimpíada do Rio, quando conquistou a inédita medalha de ouro no salto com vara, Thiago Braz segue na berlinda.

Também continua sendo o mais destacado atleta nacional neste início de ano e parece fadado a manter seu sucesso como astro do Brasil no esporte.

Braz, que registrou a melhor marca no salto com vara em 2016 a céu aberto, a do ouro no Rio, com 6,03 m, novo recorde olímpico, competiu três vezes neste ano. Alcançou o pódio em todas elas, disputadas em recinto fechado (indoor), na Europa.

Ganhou o torneio de Rouen, com 5,86 m; depois foi bronze em Clemont-Ferrand, também na França, com 5,71 m; e levou a prata em disputa em Berlim, Alemanha, com 5,70 m.

Thierry Zoccolan -5.fev.2017/AFP
Thiago Braz durante competição na cidade francesa de Clermont-Ferrand
Thiago Braz durante competição na cidade francesa de Clermont-Ferrand

Nas duas primeiras provas, na casa do francês Renaud Lavillenie, prata na Olimpíada, quando reclamou dos torcedores brasileiros, Braz enfrentou o rival e levou a melhor. Lavillenie, recordista mundial indoor, com 6,16 m, não competiu em Berlim.

O salto com vara passou a chamar a atenção dos torcedores brasileiros na última década. Muito dessa repercussão veio pelo desempenho da saltadora Fabiana Murer, que se projetou entre as mais destacadas atletas do mundo. Coincidentemente, ela encerrou a carreira nos Jogos do Rio, oportunidade na qual a estrela de Braz brilhou.

Fica a sensação de que a presença do Brasil está consolidada na disciplina, que vai decolar definitivamente. Na verdade, tem potencial, mas não é tão fácil assim.

A modalidade exige equipamentos sofisticados e caros (varas e colchões para amortecer a queda). As altas taxas e serviços de importação tornam quase inacessíveis esses equipamentos, imprescindíveis para o desenvolvimento na especialidade.

Além disso, o salto com vara requer profissionais gabaritados para a formação, a preparação e a evolução dos atletas. Em outras palavras, carece de técnicos capacitados, com conhecimento específico e aperfeiçoamento constante em estágios no exterior.

Os atletas também precisam de experiência internacional para melhorar o desempenho. Todos esses fatores demandam muito dinheiro. Não bastassem essas dificuldades, a formação de um atleta do salto com vara consome vários anos de preparação.

Essas carências ficam claras numa rápida consulta a especialistas no salto com vara, raros no Brasil, entre eles Élson Miranda de Souza e Henrique Camargo Martins, mais Edmar Santos, treinador de atletas do decatlo, que contempla a disciplina nas suas disputas.

Nenhum deles observou aumento na procura pelo salto com vara depois do ouro na Olimpíada. São unânimes ainda na citação de dois clubes de referência na especialidade: BM&F, de São Caetano do Sul, e Pinheiros, em São Paulo. Por aqui, o futuro do salto com vara passa por ambos.

O campeão olímpico Braz hoje treina na Europa sob orientação do ucraniano Vitaly Petrov, ex-técnico dos recordistas Sergei Bubka e Yelena Isinbayeva.

Élson Miranda, marido e ex-técnico de Fabiana Murer, é o profissional que mais se projetou na especialidade no Brasil. Ex-saltador, ele teve também sob sua responsabilidade a preparação de Braz, de 2009 a 2014, embora o atleta tenha despontado antes em Marília, no interior paulista.

"Por isso tenho participação nesse ouro", destacou Miranda, que segue orientando jovens saltadores em São Caetano. E não deixa passar a oportunidade de alfinetar a política esportiva nacional: "No Brasil não tem salto com vara nas disputas escolares. Pode isso?".

É complicado entender, e difícil aceitar, omissão dessa natureza, considerando um país que gastou fortunas para abrigar um Pan, uma Copa do Mundo e uma Olimpíada num curto espaço de tempo. Seria só falha de planejamento? Ou é prova do descaso e incompetência das autoridades da política e do esporte?


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