Folha de S. Paulo


Doping esquenta os bastidores no final da temporada olímpica

Por apontar falhas no controle antidoping do maior evento esportivo do planeta, o "Relatório de Observadores Independentes" sobre a Olimpíada do Rio exige atenção especial para que o conceito de justiça e de condições de igualdade nas disputas esportivas tenham bases cada vez mais sólidas.

O documento, divulgado na semana passada pela Wada (Agência Mundial Antidoping), contém informações relevantes sobre o combate ao uso de drogas para melhora da performance nos esportes, pesadelo que ganha intensidade no mundo esportivo. Embora sem que as falhas passadas possam ser reparadas, serve como referência para aprimoramento e preparação mais adequada de futuros eventos.

A conclusão do relatório, reveladora de "falhas sérias", segundo a mídia em geral, deixa margem também para um paradoxo, bem ao tom do ditado popular que diz "uma no cravo e outra na ferradura". Apesar das críticas, a própria Wada ressalta que a Rio-2016 representa um "legado extraordinário" para o antidoping na América do Sul.

A Olimpíada do Rio registrou uma situação incomum, a de possibilitar o veto de atletas de um país acusado de acobertamento de doping, independentemente de os mesmos nunca terem um resultado positivo em suas carreiras. A sentença definitiva ficou a cargo da federação internacional de cada modalidade.

A federação de atletismo foi a única a vestir a carapuça de verdugo, impedindo russos em suas disputas no Rio. Apesar do escândalo de doping na Rússia —revelado por evidências claras, inclusive com a participação do governo daquele país—, atletas limpos nunca deveriam ter sido colocados no pântano dos compatriotas charlatões e trapaceiros.

Quanto ao relatório, pelos apontamentos da Wada, houve falta de coordenação na equipe encarregada de dirigir o departamento antidoping da Rio-2016.

O documento revela que, entre várias outras falhas, diversos atletas escolhidos para o exame não puderam ser encontrados, ocorreram erros no preenchimento de dados, faltou teste fora de competição no futebol e teve acesso de estranhos em região na qual era feito o antidoping.

O bate e afaga ficou mais evidente após a divulgação do relatório. O Comitê Olímpico Internacional, responsável pela Olimpíada, através de nota em seu site oficial, tratou de contornar o tom negativo provocado pelo documento.

Declarou que o programa de controle antidoping da Olimpíada e da Paraolimpíada da Rio 2016 foi um sucesso, tendo superado edições anteriores em testes pré-Jogos e maior segurança nos laboratórios e no uso de garrafas de amostras mais seguras.

O coordenador-geral de antidoping da Rio-2016 e especialista na área, o médico Eduardo De Rose, com 10 anos de atuação na Wada e desde Los Angeles-84 nas Olimpíadas, admitiu as falhas em entrevista à TV. Mas destacou que o fundamental foi a entrega de um controle de doping dentro dos requisitos do COI e da Wada.

O diretor de comunicação da Rio-2016, Mario Andrada e Silva, também em declarações à mídia, ressaltou que houve iniciativas na busca de soluções para os problemas e que em megaeventos tem algumas coisas que servem como aprendizado.

Mais de 700 pessoas, de várias partes do mundo, trabalharam no antidoping da Olimpíada, quando foram realizados mais de 5.000 testes. Ainda não há um balanço final dos resultados. Na última semana, por exemplo, o COI relatou 17 casos de doping, mas de reavaliação de testes de Jogos anteriores, nove deles de Pequim-2008 e oito de Londres-2012.

Esses casos e o relatório sobre a Olimpíada do Rio são temas certos na pauta de reunião do COI, em dezembro. Além deles, deve apimentar os debates a segunda parte do relatório McLaren, que revelou as maracutaias de doping com digitais do governo e de laboratórios da Rússia.

O doping anda mesmo na contramão. Enquanto os esportes passam pela morna etapa pós-olímpica e caminham para o recesso do fim de ano, nem assim o doping sossega, e esquenta os bastidores.


Endereço da página:

Links no texto: