Folha de S. Paulo


Recusa de Hamburgo evidencia temor a aventura olímpica

A recusa da população de Hamburgo em apoiar a candidatura daquela cidade da Alemanha para sede dos Jogos Olímpicos de 2024 é um sinal de alerta para a cartolagem que, por impulso e interesses quase sempre pouco transparentes, criam ambientes propícios para envolver países em campanhas por grandes eventos esportivos mundiais.

A candidatura de Hamburgo já estava oficializada junto ao Comitê Olímpico Internacional, mas com a ressalva da realização de um plebiscito para saber se os cidadãos locais aprovariam ou não a decisão.

A cautela se mostrou acertada, repetindo 2013, quando Munique retirou sua proposta para ser a sede da Olimpíada de Inverno-2022 após pleito popular rejeitá-la. Aquela campanha, marcada pela desistência de várias outras cidades por conta do temor dos altos custos do evento, acabou vencida pela chinesa Pequim, que superou a cazaque Almaty, as únicas candidaturas remanescentes.

Agora, pesquisas que antes mostravam uma adesão de 64% dos moradores de Hamburgo, contra 55% dos habitantes de Berlim, acabaram não ratificadas no referendo. Cerca de 650 mil pessoas votaram, das quais 51,7% delas no não contra 48,3% no sim. As votações ocorreram em Hamburgo e Kiel, que receberia as competições de vela.

O custo do projeto olímpico alemão era estimado em 7,4 bilhões de euros (cerca de R$ 30 bilhões). O evento de 2024 será o primeiro sob os critérios da Agenda aprovada pelo COI em dezembro passado, com 40 recomendações que contemplam um conceito de Olimpíada mais barata do que o patamar atingido na atualidade.

A francesa Paris, a italiana Roma, a americana Los Angeles e a húngara Budapeste continuam na disputa, que apontará a candidatura vencedora em setembro de 2017, durante encontro do COI em Lima, no Peru.

A negativa de Hamburgo foi instigante, levando-se em conta que o presidente do COI, Thomas Bach, é alemão e detentor de medalha olímpica com a equipe de esgrima do seu país em Montréal-76. A posição de relevo do dirigente não influenciou os eleitores.

De uma maneira geral, prevaleceu o receio por conta do alto investimento exigido para organizar uma Olimpíada. As oscilações constantes na economia mundial provocam dúvidas, mesmo em sociedades estáveis, ainda mais faltando nove anos para o evento.

A esse quesito soma-se o trauma da última experiência da Alemanha como país organizador, a dos Jogos de Munique-72, quando ocorreu o triste episódio do ataque a delegação de Israel, com saldo de onze atletas e um policial mortos, na Vila Olímpica.

Questões relacionadas a segurança são uma preocupação a mais em qualquer circunstância. Entretanto, no caso recente dos atentados registrados em Paris, com pelo menos 130 mortes, a situação toma outros rumos.

O governo da França e a capital do país enaltecem e reforçam a candidatura parisiense, pois ela virou uma bandeira na luta contra os inimigos. Mostrar que o país tem e confia na sua segurança é primordial, questão de honra, neste momento traumático. O raciocínio vale para a COP21, a conferência da ONU que debate em Paris o futuro climático do planeta, iniciada na segunda (30), e a Euro-2016, competição das principais seleções de futebol da Europa em cidades da França.

Para a população de Hamburgo, no entanto, pode ter pesado como uma responsabilidade a mais, de proporção exagerada, além da parte econômica.

Não bastassem esses obstáculos, há a pressão e o clima negativo criado por inconvenientes que se tornaram corriqueiros nos esportes, como as denúncias de corrupção, especialmente no futebol, mas que pipocam também em várias outras modalidades. Ganha espaço ainda os constantes escândalos de doping, que mancham os esportes, comprometendo a credibilidade no setor.

Por todos esses motivos, apesar de os grandes eventos esportivos continuarem em alta, com suas emoções despertando cada vez mais o interesse geral, via satélite, com audiências exuberantes, crescem também as responsabilidades dos seus organizadores.

Candidatar-se para acolher uma Olimpíada sempre foi um desafio para poucos, e ampliou suas barreiras e obstáculos. Salvo raríssimas exceções, é aventura ou sonho maluco da cartolagem destrambelhada.


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