Folha de S. Paulo


Obras concluídas no prazo viram problema da Olimpíada

Uma disputa curiosa esquenta os preparativos para a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, daqui a 255 dias. Parece até coisa de maluco, mas existe explicação –e o motivo, claro, é dinheiro.

As partes em confronto têm seus pretextos. Os Comitês Olímpico Internacional e Rio 2016, responsáveis pelos Jogos, tentam driblar uma gastança extra com manutenção de instalações, e o prefeito da cidade, Eduardo Paes, na outra ponta, quer cumprir o combinado, entregar as obras olímpicas no prazo.

Não, não se trata de ficção. Obra entregue gera despesas de manutenção, que os comitês querem evitar recebendo as praças esportivas o mais perto possível do início dos Jogos. Estão defendendo os seus interesses.

O prefeito Paes, por sua vez, firmou posição e pretende inaugurar as construções olímpicas tão logo elas fiquem prontas. Qual o político que não quer palanque e novidade para rechear discurso?

Deixar as inaugurações encavaladas num curto período de tempo reduz o impacto, a repercussão. Inauguração é agenda positiva, vira cereja de bolo. Além do mais, por aqui, finalização de obras costuma estourar prazos, diferente do que ocorre no projeto olímpico, um fenômeno.

Nestas horas, sujeiras são jogadas para baixo do tapete e parecem esquecidas. Um exemplo é o projeto de tratamento de 80% do esgoto direcionado à baía da Guanabara, já condenado ao fracasso, ao menos até o início dos Jogos. Estava no plano original da Olimpíada e se converteria numa prenda social, num dos maiores legados do evento.

Há gastos curiosos numa Olimpíada. O pagamento de aluguel, cerca de R$ 328 milhões, à construtora pelos apartamentos dos 31 edifícios de 17 andares cada da Vila dos Atletas pela ocupação durante o período dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. É ou não difícil de imaginar uma situação dessa natureza?

Pode doer, mas dessa conta não dá para fugir. A vila está praticamente pronta, dependendo apenas de adaptações, entre elas de ambientes da zona internacional, o local comum frequentado pelos atletas de todas as delegações.

Na parte esportiva, o canteiro de obras segue dentro dos planos, sem atrasos, exceto o velódromo, que deve ser finalizado no início do ano. Os maiores problemas se concentram nas obras de infraestrutura, como metrô e outras.

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, segundo noticiário da agência Reuters, negocia com bancos. Apenas para finalizar as obras da Linha 4 do metrô, os cálculos alcançam cerca de R$ 1,5 bilhão.

O Estado deve responder também pelo investimento em gerador de energia para alimentar instalações a serem usadas nos Jogos. É tarefa complicada para o governo estadual, que está com dificuldades de completar o pagamento do 13º salário dos seus funcionários. Mas Pezão afirma que não faltarão recursos para o projeto olímpico.

O complexo de Deodoro, antes marcado pelo temor de atrasos, recuperou o tempo perdido. Lá haverá disputas de canoagem slalom, rúgbi, hóquei sobre grama, pentatlo moderno, basquete (feminino), tiro esportivo, hipismo e ciclismo.

Na última sexta-feira (20), o prefeito inaugurou o Centro Olímpico de Hóquei, que a partir desta terça (24) recebe evento teste. No domingo, foi a vez do campo de golfe, modalidade que volta aos Jogos após ausência de 112 anos.

O campo, de 970 mil m² na Barra da Tijuca, foi apontado como área ambiental, mas o prefeito teve mais força do que os movimentos de contestação. Também contornou denúncias de suposta improbidade administrativa porque teria liberado vantagens à construtora, que bancou e construiu o campo.

Os próximos espaços a serem entregues pelo prefeito são a Vila dos Atletas, o Centro de Imprensa (MPC), o Estádio Aquático e as Arenas Cariocas 1, 2 e 3.

A decisão do prefeito de seguir com as inaugurações tão logo as obras estejam prontas é irreversível. Dessa forma, o comitê organizador terá de se responsabilizar pela manutenção das praças esportivas até a Olimpíada. Isso é viável pelo pouco tempo que falta para os Jogos.

Essa luz passageira, no entanto, quando os Jogos terminarem com certeza vai se transformar em farol de trem na direção contrária no fim do túnel. Quem vai pagar a manutenção após os Jogos? Aí vai ser difícil parar o trem.


Endereço da página:

Links no texto: