Folha de S. Paulo


A cartolagem do futebol está na contramão dos Jogos Olímpicos

O futebol, paixão esportiva dos brasileiros, que deveria servir de modelo para a delegação nacional nos Jogos Olímpicos em casa, anda na contramão. A cartolagem da CBF corre da Olimpíada como rato de gato. Não compareceu nem enviou representante ao evento de lançamento de São Paulo como subsede dos torneios olímpicos de futebol.

A modalidade na Olimpíada é da alçada da Fifa. O braço daquela entidade no Brasil é a CBF, e o da CBF em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol. Portanto, só havia motivos para protagonismo do futebol na tal cerimônia, nada que justificasse a ausência total.

O evento, realizado na quarta (30), no estádio do Corinthians, contou com as presenças do governador do Estado e do prefeito da capital paulista, bem como de um integrante do Ministério do Esporte e do presidente do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman.

Na condição de anfitrião, Roberto de Andrade, presidente do Corinthians, completou a bancada das autoridades. Das organizações que operam no futebol, no mundo e no país, nem sombra.

Os discursos foram limpos, embora sempre realçando virtudes das respectivas áreas de cada orador. Esse comportamento é corriqueiro. Entretanto, as autoridades parecem coincidir no entendimento de que a Olimpíada, em parte coberta por verba pública, é um desafio nacional e uma agenda positiva.

A ausência do futebol teria sido uma falha de comunicação, de protocolo? Ou seja, esqueceram de convidar as entidades do futebol? Pode ser. A solenidade foi noticiada por todos os meios de comunicação, e o futebol continuou calado. Se esquecido ou relegado a um plano menor, teria a obrigação, o dever, de protestar, não aceitando tal descortesia.

Sobre a ausência de representantes das principais entidades do futebol no evento, Nuzman evitou uma resposta direta. Disse apenas que a responsabilidade do Comitê Rio era a de organizar [os Jogos] e que nada mudaria os planos.

São Paulo receberá dez partidas dos torneios masculino e feminino de futebol na Olimpíada, todas em Itaquera. Três das rodadas serão duplas. As duas competições terão ainda jogos em outras cinco cidades: Rio, a sede olímpica, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Manaus.

A CBF e o setor olímpico nacional batem cabeça faz algum tempo, conforme relatado aqui. Repito para refrescar a memória. Antes da última Olimpíada, em Londres-2012, a CBF e o Comitê Olímpico do Brasil voltaram a estreitar relações, superando uma fase de distanciamento. Ricardo Teixeira comandava a CBF e Nuzman, como agora, o COB e o Comitê Rio, da organização da Olimpíada.

Envolvido em escândalo de propinas na Fifa e em contratos suspeitos no Brasil, Teixeira teve de sair da CBF, sendo substituído por José Maria Marin, ex-presidente da FPF e ex-governador paulista ligado à ditadura militar.

Em Londres, o gelo voltou. Marin se irritou ao receber resposta negativa a um pedido que fez para ser credenciado com livre acesso para todos os eventos da Olimpíada. Após a volta ao Brasil, mostrou o tamanho do aborrecimento ao não enviar representante da CBF ao pleito que reelegeu Nuzman pela quinta vez para a presidência do COB.

Depois da Copa-2014, Marin deixou a CBF, sendo substituído por Marco Polo Del Nero. Começou aí outra história escabrosa, que mostra a cara do futebol nacional. Durante estadia na Suíça, em maio, Marin foi detido por corrupção no futebol –continua preso naquele país– numa operação surpresa, a pedido de autoridades dos Estados Unidos.

Del Nero também estava lá, e às pressas retornou ao Brasil, sem esperar pelos desdobramentos da prisão do colega. Desde então, adotou uma postura no mínimo curiosa: não viaja mais ao exterior, caso desta semana, quando a seleção principal estreia nas eliminatórias da Copa-2018 contra o Chile. O time já está em Santiago, onde joga na quinta.

O principal cartola da CBF no Chile será o alagoano Gustavo Feijó, um dos vices da entidade, que havia representado Del Nero em amistosos nos EUA, mês passado. Segundo revelou o jornalista Sérgio Rangel, desta Folha, Feijó é um dos homens de confiança de Del Nero. Prefeito de Boca da Mata (AL), ele é aliado político do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do senador Fernando Collor.

Joseph Blatter, reeleito presidente da Fifa naquela mesma oportunidade da prisão de Marin e de outros dirigentes, coincidentemente, não deixa a Suíça, onde fica a sede da entidade. Ele é suspeito de corrupção e já anunciou que vai deixar o cargo.

Diante desse cenário, no mundo e no Brasil, a vertente olímpica do futebol parece pouco interessante para atrair a atenção da cartolagem do setor, como no evento do monumental estádio do Corinthians, em Itaquera.


Endereço da página: