Folha de S. Paulo


Futebol olímpico feminino tem pedras e percevejos no caminho

No futebol, amistoso é o jogo fora de campeonato, sem intuito de conseguir classificação, aquela disputa que funciona mais ou menos como um show da modalidade, uma exibição. Levando isso em conta, não há como discordar do técnico Vadão, responsável pela seleção brasileira feminina de futebol, que minimizou a recente derrota da sua equipe diante do time da França, por 2 a 1, em Le Havre, território do adversário.

Qualquer amistoso é importante para a seleção, que se prepara para os Jogos Olímpicos do Rio, porque serve para avaliar o estágio dos treinamentos, conferir se os métodos adotados estão ou não funcionando.

Entretanto, como uma moeda, o amistoso mostrou também a outra face, a do alerta, sinalizando claramente que a seleção do Brasil vai encontrar muitas dificuldades na tentativa de voltar ao pódio na Olimpíada.

A equipe nacional obteve sucesso com medalhas de prata nos Jogos de Atenas-2004 e de Pequim-2008 (arrebatou ainda o vice no Mundial na China, em 2007), mas perdeu impulso em Londres-2012, quando caiu nas quartas-de-final diante do Japão. No Mundial do Canadá, há pouco mais de dois meses, tropeçou nas oitavas, em confronto com a Austrália.

Nestes eventos, o Brasil acabou superado por diferentes adversários, sinal de que precisa evoluir para almejar uma medalha na Rio-2016. Aí está o obstáculo. Sem quantidade de jogadoras de alto nível à disposição, a comissão técnica vai ter de conseguir o máximo possível de um time experiente, mas já em queda e no limite do rendimento.

Apesar das dificuldades, Vadão procura passar otimismo nas declarações à mídia, não descartando sequer as chances de conquista da inédita medalha de ouro.

A falta de interesse pelo futebol feminino no país dificulta o descobrimento ou a formação de atletas, complicando a renovação da seleção. Até o técnico foi pinçado fora do setor.

Oswaldo Alvarez, o Vadão, nunca tinha dirigido um time de mulheres até assumir a seleção, em abril de 2014. Na verdade, seu currículo mostrava sucesso na revelação de jogadores como Jadson, Kaká, Rivaldo e Edu Dracena, entre outros.

Eleita cinco vezes (de 2006 a 2010) a melhor jogadora do mundo, Marta, 29, que defende o Rosengard, da Suécia, continua sendo a referência da seleção. Além dela, o time da Copa no Canadá tinha apenas a atacante Beatriz atuando no exterior, na Coreia do Sul.

Dias depois do Mundial, o Brasil conquistou o ouro no Pan de Toronto, também no Canadá, uma competição bem mais fraca. Marta não jogou porque o evento não era data-Fifa e o Rosengard não a liberou. A faixa de capitã passou do braço dela para o de Formiga, 37, com duas décadas de seleção.

A Olimpíada força a CBF a olhar para o futebol feminino. A entidade montou times de base e transformou a seleção principal em permanente, condição que ajuda a manter as jogadoras em atividade.

Não bastasse a pressão olímpica sobre a CBF, a presidente Dilma Rousseff também chegou a fazer uma recomendação ao ministro do Esporte, George Hilton, para que tivesse um cuidado especial com o futebol feminino.

Ocorre que a evolução de uma modalidade não é um processo rápido, mas trabalho de vários anos, com bom senso, planejamento e investimento. Não dá para saber qual foi exatamente a ideia da presidente. Talvez a orientação, caso seguida à risca, possa ajudar pelo menos no respaldo da seleção olímpica. Será essa a intenção?

Em julho último, após conquistarem pela terceira vez o Mundial –recuperaram o título que estava em poder das japonesas–, as norte-americanas foram recepcionadas por milhares de fãs em Nova York.

Ruas foram fechadas. O prefeito da cidade, Bill de Blasio, observou que era a a primeira vez que uma equipe nacional de atletas mulheres desfilava sob chuva de confete.

O futebol americano, o beisebol e o basquete destacam-se entre os esportes nos EUA. O soccer, o futebol dos americanos, ganha espaço dia a dia, praticado em especial por mulheres. Mesmo assim, as moças também enfrentam problemas por lá.

A campeã mundial Alex Morgan, uma das maiores estrelas da modalidade, reclamou recentemente no Twiter de percevejos nos colchões de um hotel em que ela e suas companheiras do Portland Thorns estavam hospedadas. O Portland enfrentaria o Kansas City pela National Women's Soccer League (NWSL), a liga feminina de futebol dos EUA. Os hotéis têm sido inaceitáveis, afirmou.

O cenário mundial do futebol feminino está mudando, mas ainda precisa remover muitas pedras do caminho. A maior delas é o preconceito.


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