Folha de S. Paulo


O pastor e a Olimpíada

Em meio ao turbilhão de badaladas de sinos e de melodias de Natal, o Planalto anunciou o nome do novo ministro do Esporte. Sai Aldo Rebelo, do PC do B, e entra George Hilton, do PRB (Partido Republicano Brasileiro).

Uma jogada surpreendente. Tipo daquelas revelações que vêm acompanhadas da expressão "ficar com uma pulga atrás da orelha". Mas é bom registrar que nunca entendi bem a relação do tal parasita com o órgão do sistema auditivo. Sempre desconfiei de algo em lugar indevido, impossível de ser entendido prontamente ou visto a olho nu.

Esse é mais um mistério que o tempo, sempre implacável, se encarregará de elucidar. A troca do ministro foi um mero ato governamental, mas com retoques de filme com espiões sobre uma ponte. Um político dito comunista, Rebelo, trocado por um apresentador de TV, evangélico e pastor da Igreja Universal, Hilton.

Barganha política catastrófica para a imagem do governo, que conseguiu piorar o que já não era considerado exemplar. Esportistas de renome reagiram divulgando protesto pelo descaso com que o esporte é tratado e encarado como algo menor pelo governo.

Os principais secretários do ME devem entregar seus cargos, dificultando ainda mais os trabalhos de políticas e práticas esportivas sob responsabilidade da pasta, que abrangem desde a base, a escola, a educação e a cultura indígena, entre outras. O alto rendimento e a Olimpíada, pela urgência, figuram como prioridades.

Apesar da surpresa, os dois lados da negociação tiveram motivos para comemorar, pois Rebelo vai continuar ministro em outro ramo, o da Ciência e Tecnologia.

A troca também apresenta uma novidade, pois nunca se soube que ele tivesse domínio nesse campo. Conhecimento mantido oculto? Modéstia? Ou talvez alguma pesquisa tenha definido que habilidade política –e o posto é político, não técnico nem científico– seja mais relevante no momento para superação de obstáculos na área.

Também sem ser especialista, Rebelo ocupou o cargo no Esporte desde 2011 e, a pedido da presidente Dilma, manteve-se à frente da pasta para atuar principalmente nos assuntos relacionados à Copa e à Olimpíada.

Pela etapa da Copa, ele passou sem altos e baixos, mas com o mérito de ter de certa forma amenizado os olhares mais afoitos e oportunistas sobre supostas malfeitorias praticadas por seus antecessores na pasta, Agnelo Queiroz (2003-2006) e Orlando Silva (2006-2011), ambos então seus camaradas no PC do B, ao qual Silva continua filiado.

Já o novo selecionado por Dilma, Hilton, exibe uma ficha sem manchas que o impeçam de ocupar o cargo. Nela também nada consta em prol do esporte nem contra, nenhuma menção. A sensação é que sempre ignorou bolas, piscinas, raquetes e quadras, quiçá petecas, num país às vésperas de promover, e pagar caríssimo (custo estimado hoje em cerca de R$ 38 bilhões), a primeira Olimpíada na América do Sul.

Em contrapartida, tem um registro polêmico e bizarro, que o tornou conhecido nacionalmente em 2005, quando foi apanhado em flagrante pela Polícia Federal, no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, com 11 caixas cheias de dinheiro e cheques, total avaliado aproximadamente em R$ 600 mil.

Na época, ele era deputado estadual mineiro pelo extinto PFL e estava acompanhado pelo vereador do PL em BH Carlos Henrique Silva, ambos pastores. Sem provas que os incriminassem, alegaram que a bolada era produto de doações de fiéis da Igreja Universal do sul de Minas Gerais. Saíram arranhados apenas pela publicidade negativa do episódio. Coincidentemente, pouco depois Hilton foi afastado do partido.

De um modo geral, a mídia relembrou bem os currículos dos dois ministros. Bernardo Itri, da Folha, foi certeiro ao adiantar compromissos relevantes do novo titular do Esporte, Hilton, que, para tal, deverá se valer de chapéu alheio por conta do noviciato.

O primeiro é apresentar em 28 de janeiro próximo a atualização da matriz de responsabilidade, com custos, da Rio-2016, ao lado da prefeitura local e da Autoridade Pública Olímpica; a seguir, em fevereiro, fechar relatório do Tribunal de Contas da União comprovando a existência de legado da Olimpíada ao país.

A guerra dos organizadores da Olimpíada vai ganhar intensidade depois da passagem do ano com as batalhas pela liberação de verbas pelo governo federal, que decidiu no primeiro semestre, antes da Copa, entregar a chave do cofre à Casa Civil, do ministro Aloizio Mercadante.

E o cofre foi mantido fechado. O canteiro de obras só está andando, como aqui já foi explicado, porque o Comitê Olímpico Internacional decidiu liberar, gradativamente, US$ 1,5 bilhão para o Rio dar sequência aos trabalhos. Parte da verba é adiantamento, do contrato de TV assinado pelo COI pelos direitos de imagem dos Jogos e parte contribuição direta para o evento.

Dessa forma, o período eleitoral transcorreu sem que a Olimpíada despertasse atenções. É chegado o momento de o governo federal ser acionado, principalmente no tocante às obras de infraestrutura. Portanto, tanto o ME como os governos municipal e estadual do Rio, e o Comitê Rio 2016, organizador dos Jogos, terão de caminhar no ritmo dos passos da Casa Civil.

Sobre a Olimpíada, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que torcia pela permanência de Rebelo no cargo, pela experiência por ele assimilada no período, dizia que não tinha mais tempo para um sujeito se inteirar da história. Diante das complexidades do megaevento, o bom senso é soberano e indiscutível na fala do prefeito. Até mesmo o ex-ministro talvez esbarrasse em dificuldades pela frente. Imagine, então, os riscos de um novato?


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