Folha de S. Paulo


Esporte cubano para no embargo

Atitudes políticas perversas tornam o mundo menos generoso com os seres humanos. Uma mostra disso é o embargo econômico imposto pelos EUA contra Cuba. No caso, o bloqueio é um crime continuado que dura mais de meio século, tentando subjugar uma nação que sofre, mas se mantém de pé. Dificilmente outro país resistiria por período tão longo.

Essa aberração, no entanto, parece estar com os dias contados. EUA e Cuba acabam de reestabelecer relações diplomáticas, um passo valoroso para a implosão do embargo econômico imposto pelos norte-americanos aos cubanos. As páginas sobre política internacional e as imagens de TV mostram os desdobramentos desse polêmico episódio.

Neste espaço, vamos abordar a repercussão dessas novas atitudes para o mundo dos esportes. A dúvida é uma só: Cuba vai recuperar o prestígio olímpico que construiu praticamente nas últimas cinco décadas, após uma arrancada nos anos 60, na sequência da vitoriosa revolução liderada por Fidel Castro, Ernesto Che Guevara, Camilo Cinfuegos e outros camaradas?

A primeira pergunta nesse sentido fiz a Leandro Guilheiro, judoca brasileiro bronze olímpico em duas oportunidades. A resposta parecia pronta, saiu rápida: com um pouco mais de recursos logo eles voltarão ao pódio, mais rápido do que se espera, são determinados, focados. Guilheiro conhece bem os cubanos, com os quais já trabalhou, e conta com o auxílio de um preparador daquele país. O judô cubano sempre se destacou no plano internacional.

Nos tempos da polaridade da "Guerra Fria" –de um lado a ex-URSS, representante do bloco comunista, e do outro os EUA, expoente do capitalismo–, os cubanos se alinharam a Moscou. O respaldo dos soviéticos propiciou a Cuba fazer bonito no esporte, que era incentivado pelo governo da ilha, um expressivo cartão de apresentação. Com o desmembramento da ex-URSS, em 1991, a fonte de recursos secou.

Os habitantes da ilha passaram a enfrentar graves dificuldades, que levaram lentamente à quebra de alguns dogmas da economia, entretanto muito pouco para o tamanho da crise. O país resistiu com ajudas financeiras da Venezuela, de créditos baratos da China e investimentos da Espanha no turismo.

Mesmo sob dificuldades, mas com os conceitos e técnicas esportivas desenvolvidas, e muita determinação, os cubanos mantiveram a projeção no esporte, com evidente queda nos dois últimos ciclos olímpicos. Foram caindo aos poucos.

Não bastassem os entraves econômicos, o bloqueio tinha seus braços em incontáveis países ligados aos círculos dos EUA, que emperravam até os deslocamentos dos atletas cubanos pelo mundo, obrigados a longas esperas por vistos de viagem. Ser atleta cubano tinha lá seu charme, mas não era tão glamoroso como parecia.

Na última Olimpíada, em Londres-12, Cuba enviou uma delegação de 111 integrantes, contra 229 em Sydney-00, uma drástica redução na década. Parte disso por falta de recursos e parte por fracassos nos torneios classificatórios, indício de que a crise já estava latente. O país não havia classificado equipe em nenhum esporte coletivo.

Situação bem diferente da fase de glórias, na Olimpíada de Barcelona-92, quando a delegação com 176 atletas arrebatou 31 medalhas, das quais 14 de ouro, 6 de prata e 11 de bronze, sua melhor campanha na história do evento.

A falta de recursos vem incentivando os esportistas há tempos a uma prática usada também em ações políticas e de direitos humanos, como a fuga para outros países, principalmente para o EUA, em busca de novas oportunidades na vida. Para os atletas a oferta é cativante e fácil de ser alcançada, por causa das viagens ao exterior.

O Brasil mesmo abrigou vários deles. Já relatei esses casos, alguns que ficaram por aqui por paixão desenfreada, amor, como um jogador de basquete na década de 60 (certamente a primeira fuga de um cubano de uma delegação no exterior pós revolução) e um ciclista no Pan do Rio, que se enamoraram perdidamente por brasileiras.

Outros ficaram atraídos pelo sonho de uma nova vida no país. Também vários vieram via intercâmbio esportivo. O caso de maior repercussão envolveu os pugilistas Erislandy Lara e Guilherme Rigondeaux, que fugiram da Vila do Pan em 2007, foram capturados dias depois e acabaram repatriados numa operação obscura e repleta de mistério envolvendo os governos do Brasil e de Cuba.

Mesmo quando pouco tempo atrás o governo de Cuba anunciou uma reforma de suas leis de migração, determinando o fim da exigência de permissão para que cubanos viajassem ao exterior, o esporte foi um dos segmentos barrados, que continuaram sujeitos a veto. É quase certo que os dirigentes da ilha tinham receio de que ofertas milionárias arrebatariam de maneira avassaladora os astros do esporte cubano, que recebiam apenas uma ajuda de custo do governo.

Em contrapartida, antes estritamente amadores, os esportistas passaram a desfrutar de salários, bônus por resultados e até de permissão sob controle para assinatura de contratos com clubes do exterior. Antes, esta última hipótese, caso ocorresse, afastaria definitivamente o atleta das seleções nacionais.

Na Olimpíada do Rio, em agosto de 2016, a expectativa é de que Cuba se apresente com uma equipe aguerrida, como sempre, mas não com o gabarito daquelas delegações dos tempos dourados. O período é escasso para recuperar o tempo perdido e, é bom deixar claro, o embargo continua golpeando, pressionando e abusando dos habitantes da atrevida e indomável ilha caribenha.


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