Folha de S. Paulo


Olimpíada, a hora de mudar

O Comitê Olímpico Internacional demorou, mas finalmente entendeu que o gigantismo dos Jogos Olímpicos atingiu um patamar insuportável, afugentando países interessados em promover e organizar o evento. Por causa disso, a entidade elabora uma proposta de reformas, que apresentará aos seus pares com o propósito de evitar um retrocesso no galopante crescimento do movimento olímpico nas últimas décadas.

As exigências do COI tornam as candidaturas vulneráveis a cada nova escolha de uma cidade-sede, tal a sofisticação. Assunto de tamanho interesse não deveria ter enfrentado tanta demora para provocar um projeto revigorante.

Ao ver-se compelido tempos atrás a colocar um freio na evolução desenfreada, o COI estabeleceu o limite de 10.500 atletas participantes nos Jogos. A medida paliativa resolveu uma parte dos problemas. Parques olímpicos modernos contemplando vilas, ginásios, instalações esportivas em geral e de mídia, transporte e segurança, entre outros pontos, resultam em altos investimentos.

O Rio assumiu os Jogos de 2016, que hoje têm um custo estimado de R$ 38 bilhões. No início do ano, Sochi, na Rússia consumiu cerca de US$ 51 bilhões para organizar a Olimpíada de Inverno. São gastos exorbitantes, mais ainda levando-se em conta a crise instalada na economia mundial, com tendência a permanecer em cena por tempo incalculável.

A sirene escancarando as dificuldades dos novos desafios olímpicos tocou forte em 2002, quando estourou o escândalo da compra de votos dos Jogos de Inverno de Salt Lake City, nos EUA. As coisas já não andavam nos trilhos naquela época. Além disso, apesar dos seus altos custos, as Olimpíadas, tanto as de Verão como as de Inverno, raramente ratificam os anúncios das propostas de legado feitos nos dossiês de candidatura.

O COI deve divulgar nos próximos dias detalhes das reformas que pretende implementar no processo de escolha de sedes olímpicas, no programa dos esportes (o organizador pode ganhar abertura para indicar esportes de sua preferência) e custos dos Jogos, mais a criação de um canal olímpico de TV.

Outra novidade é a discussão sobre a possibilidade de uma mesma Olimpíada contar com mais de uma sede, como ocorreu com a Copa Japão-Coreia em 2002.

As reformas estão nos itens da Agenda 2020, aprovada pela diretoria executiva do COI e pelo Conselho Executivo da Anoc (Associação de Comitês Olímpicos Nacionais). Reunião extraordinária, programada para Mônaco, em 8 de dezembro, submeterá a Agenda à votação. Na realidade, as alterações aprovadas entrarão em vigor apenas a partir da escolha das candidaturas para sede da Olimpíada de Verão de 2024.

"A hora de mudar é agora", enfatizou o alemão Thomas Bach, presidente do COI, no encontro com membros da associação de comitês, encerrado no fim de semana, em Bancoc, na Tailândia. Lá foram analisadas as sugestões de reformas apresentadas por grande parte dos 204 comitês olímpicos nacionais que integram o COI.

O calendário olímpico tem definidas as sedes dos Jogos de Verão de 2016 (Rio) e 2020 (Tóquio), e de Inverno de 2018 (Pyeongchang, na Coreia do Sul). A campanha para a disputa de Inverno de 2022 teve várias desistências, restando como concorrentes Pequim, na China, e Almat, no Cazaquistão.

Um incômodo para o COI, que, independentemente da proposta vencedora, promoverá três grandes eventos internacionais consecutivos na Ásia. A julgar por esse quadro, o COI parece dependente dos asiáticos, ou seja, do poder econômico daquela região, ou não?

O simples encaminhamento das reformas, no entanto, aponta para uma reviravolta nessa situação nebulosa de candidaturas para sede de Olimpíada. Um indício disso vem da Suécia, onde o comitê olímpico local anunciou na semana passada que aceitaria desistir da desistência da candidatura aos Jogos de Inverno de 2022.

Para tanto, o processo de candidatura teria que ser reaberto, hipótese improvável. As discussões sobre as reformas das regras motivaram o reposicionamento dos suecos. Estocolmo abandonou sua candidatura em janeiro, caminho igualmente seguido por Cracóvia, na Polônia, Lviv, na Ucrânia, e Oslo, na Noruega.

Essa hipótese de uma nova ordem do COI foi suficiente também para instigar outras cidades importantes a abrigar uma Olimpíada. O presidente da França, François Hollande, em programa de TV do seu país, disse ser favorável a que Paris receba os Jogos de 2024. Antes, porém, ele terá de convencer a prefeita Anne Hidalgo, que tem opinião divergente. Em 2008 e 2012 a cidade foi derrotada por Pequim e Londres, respectivamente.

A disputa pelo direito de organizar os Jogos no prazo de dez anos promete uma concorrência forte. O comitê olímpico alemão, segundo notícia em jornais cariocas, afirmou que também é a favor da candidatura do país, com Hamburgo ou com Berlim. A proposta é realizar um plebiscito nas duas cidades para que a própria população se posicione.

O COI não perde tempo e mexe seus pauzinhos. O sheik Ahmad Al-Fahad Al-Sabahs, presidente da Anoc e influente membro do COI, no mesmo encontro da elaboração da Agenda 2020, revelou sua simpatia por uma possível proposta dos EUA. O que deixa claro que o escândalo de Salt Lake caiu no esquecimento e a nova ordem é Olimpíada economicamente sustentável. Será?


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