Folha de S. Paulo


Brasil precisa competir na neve?

O caso da atleta brasileira Lais Souza, que sofreu grave acidente quando treinava para a Olimpíada de Inverno, é relevante e exige amplo debate. Ginasta com experiência em duas Olimpíadas –Atenas-2004 e Pequim-2008–, ela estava iniciando uma nova etapa em sua carreira, no esqui, atividade bem diferente da especialidade que a consagrara.

A meta era competir pela primeira vez numa Olimpíada no novo esporte nos Jogos de Sochi, na Rússia, em fevereiro. No final de janeiro, exercitando-se em montanha nevada nos EUA, ela caiu feio e perdeu os movimentos dos ombros para baixo.

O episódio causou comoção no Brasil e a ex-ginasta segue internada e em tratamento num hospital de Miami. Essa é a narrativa simples e direta da ocorrência, bastante difundida pelos meios de comunicação.

Os desdobramentos do acontecimento, por sua vez, merecem uma discussão à parte, partindo de um questionamento básico: um país tropical deve competir em eventos de esportes disputados na neve? Por quê? O bom-senso parece caminhar na direção contrária.

Tais modalidades oferecem riscos para os seus praticantes, bem mais do que a maioria dos esportes das Olimpíadas convencionais. Na neve, a experiência é fundamental, e os atletas a assimilam com os treinamentos em ambiente adequado, com o passar do tempo. Não era o caso de Lais.

A Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados, impulsionada pela repercussão e desdobramento do caso Lais, especialmente pelo alto custo da assistência médico-hospitalar, abriu espaço para o assunto.

Em debate: possíveis alterações na legislação para resguardar os atletas brasileiros, profissionais e não profissionais, em eventos nacionais e internacionais, bem como em treinamentos.

Cabe aí a reflexão sobre a motivação para que o Brasil participe de competições na neve. Deve competir para valer ou apenas enviar representantes num gesto diplomático em solidariedade ao movimento olímpico internacional?

Dias depois do acidente, em texto publicado pelo UOL, especialistas brasileiros criticaram a CBDN (Confederação Brasileira de Desportos na Neve) por apostar em atletas de outras modalidades. Os argumentos foram na linha da falta de base, da necessidade de experiência no esporte e de tempo para aperfeiçoamento.

Uma campanha virtual de arrecadação de fundos para ajudar Lais chegou a ser lançada no impulso da comoção causada pelo acidente e na esperança de que a atleta se recupere. Os gastos com o tratamento são altos.

O COB, então, anunciou que despesas em consequência do acidente estavam sendo cobertas por apólices de seguro saúde financiadas pela entidade e pela CBDN.

Nada mais justo. Lais treinava para representar as duas entidades, mesmo que essa afirmação dê margem à especulação do tipo: estaria ela preparada adequadamente para esquiar naquele lugar?


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