Folha de S. Paulo


A guerra olímpica da cartolagem

Não passam de exercício de futurologia as avaliações pró e contra, feitas até o momento, sobre os preparativos do Rio de Janeiro para abrigar a Olimpíada-2016. Tanto os ataques e críticas procedentes de cartolas do COI e das federações internacionais como as defesas articuladas pelo comitê organizador, mais prefeitura do Rio e governo federal, não passam de peças subjetivas, obscuras, quase adivinhações.

Um fato incontestável são os atrasos nas obras, que, persistindo, certamente provocarão danos à organização dos Jogos. Até mesmo a atualização orçamentária, que saltou de R$ 28,8 bilhões na proposta da candidatura na disputa para ganhar o direito de ser sede da Olimpíada, em outubro de 2009, para R$ 37,5 bilhões no mês passado, não passa de uma mera previsão. A tendência em situações dessa natureza é que o valor aumente, como comprovam as obras da Copa do Mundo.

No caso do Mundial de futebol, com a aproximação do evento, os desacertos foram aparecendo mês a mês, armando uma cilada para o governo federal, que assumiu responsabilidades em relação ao evento, com participação também de governos locais e comitê organizador.

Orçamentos encareceram, obras deixaram à mostra que alguns projetos são sofisticados acima do necessário, tudo atendendo a um tal "padrão Fifa". Padrão para quem e para quê? Exigências que continuam sem respostas.

Apesar desses desencontros, quando a bola rolar os problemas serão varridos para debaixo do tapete –a Copa deve ter sucesso, como todas as Copas–, exceto os custos. Estes ficarão expostos, como feridas incuráveis abertas num corpo qualquer à espera de um medicamento salvador. E o remédio aqui é um só, dinheiro público.

O governo federal já sentiu o peso do drama, que a conta vai ser alta e que o retorno neste ano eleitoral não está dentro dos padrões antes sonhados. Incompetência? Surpresa? Susto? Por isso, a Presidência da República está convidando donos de jornais, editores e colunistas para esclarecer pontos do delicado momento pré-Copa. Como se o jornalismo fosse cego e governantes tivessem olhos de lince. A própria presidente recepciona os convidados.

O cenário da Copa é um parâmetro para a empreitada dos Jogos do Rio. Observa-se uma notória diferença na postura dos dirigentes esportivos: o cartola da Fifa diz que os brasileiros "precisam de um chute do traseiro", enquanto os seus colegas do COI mostram cordialidade nas visitas, mas, quando distantes, fazem críticas públicas ou vazam informações de interesse da entidade para pressionar os organizadores, comitê Rio 2016 e governos.

O exemplo mais recente foi a manifestação de John Coates, um dos vice-presidentes do COI, anunciando que os preparativos do Rio são os "piores" que ele viu na história dos Jogos, uma situação "crítica". Depois da repercussão das declarações, ele se corrigiu em parte, em comunicado oficial, salientando ainda acreditar que o Rio e as pessoas do Brasil poderão entregar excelentes Jogos em 2016.

Justificou a mudança de expectativa alegando que o diretor executivo do COI, Gilbert Felli, uma espécie de interventor na organização dos Jogos, havia observado, de forma positiva, o progresso das obras, com movimento na direção certa. Por aqui, Felli também tratou de esclarecer para jornalistas, poucos, como são os procedimentos da sua entidade.

O fogo parecia temporariamente debelado, mas fontes anônimas do COI jogam mais lenha na fogueira ao explorarem que 90% das obras do Rio não estão prontas, contrapondo essa informação, singelamente, com a de que para os Jogos-2012, faltando o mesmo tempo para a abertura do evento, Londres já tinha concluído 60% do seu projeto.

Qual a necessidade dessa pressão tão pouco tempo após visita de comissão específica do COI ao Rio para acompanhamento das obras, de declarações bastante pesadas de dirigentes de federações internacionais de esportes e do tapa e afago de Coates?

Os preparativos para a realização dos Jogos envolvem participações nacionais e internacionais, com profissionais e empresas especializadas atuando no processo, cada qual defendendo seus interesses. É jogo pesado, como se diz popularmente, briga de cachorro grande.

Será que o padrão COI é mais denso do que o similar da Fifa? Talvez trabalhe com mais rigor nos eventos-testes porque terá de avaliar palcos de 28 diferentes modalidades. A pressão por causa de atrasos, então, ocorre em função dessas avaliações, que balizam a necessidade ou não de correções de desvios, não diretamente da Olimpíada?

A Fifa respaldou o futuro Mundial com base na Copa das Confederações, em junho passado, mesmo registrando atrasos no canteiro de obras.  Nem mesmo as manifestações populares de protesto ocorridas no período arrepiaram o cabelo dos cartolas como deveriam. Essa soberba da cartolagem, no entanto, não é garantia de sucesso irrestrito para a Copa, mês que vem, e vale também para a Olimpíada, daqui a dois anos.


Endereço da página: