Folha de S. Paulo


Um discurso intrigante

O prefeito Eduardo Paes, do Rio, a cidade olímpica de 2016 e da final da Copa do Mundo no ano que vem, soltou a língua. Rompante, mas sem aparente destempero, revelou avaliação que mantinha enrustida sobre os Jogos Olímpicos.

Ao responder sobre se aquele evento deveria ser o coroamento de uma política desportiva bem sucedida, tascou que acha "uma vergonha o Brasil receber uma Olimpíada e não estar preparado".

Foi na gravação do "Juca Entrevista", programado para ir ao ar ontem à noite, na ESPN Brasil.

O jornalista Juca Kfouri, colunista desta Folha, não precisou de muita energia no bate-papo, pois o prefeito parecia interessado em falar sobre o tema. Aliás, tinha sido um pedido dele a opção pela entrevista e não pela participação no "Bola da vez", programa para o qual a emissora o convidara inicialmente.

Pode ser apenas coincidência, mas as manifestações populares dos últimos meses pelo país e a visita do papa Francisco talvez tenham espetado corações, estômagos, mentes e consciências. Será?

O político admitiu grave erro da prefeitura quando marcou casas com um "X", como na Alemanha nazista, indicando futura remoção dos seus moradores para construções no local de praças e equipamentos esportivos.

Com agravante. Como a ameaça de remoção se prolongou no tempo, virou tortura psicológica.

Espera-se que a correção desses imperdoáveis desvios prevaleçam a partir de agora em toda e qualquer discussão de remoção de moradores, não só para aquelas relacionadas aos eventos esportivos.

A fala respingou ainda na cartolagem. Paes relembrou que foi vereador, deputado e prefeito, e que sua pior experiência, a mais "esquisita", deu-se como secretário de Esportes. Uma vergonha como as coisas funcionam; que é difícil gerenciar o desporto no Brasil; que o setor carece de transformação, mudança e responsabilização.

A falta de alternância no poder das entidades esportivas também virou alvo, com a ressalva que respeita Carlos Arthur Nuzman, a quem aponta como o grande ativo para trazer a Olimpíada para o Rio.

Nuzman acumula os cargos de presidente do comitê organizador da Rio-2016 e, desde 1995, do Comitê Olímpico Brasileiro, no qual exerce o quinto mandato consecutivo.

As três áreas de governo --federal, estadual e municipal-- estão comprometidas no projeto dos Jogos. Paes, no entanto, fez questão de ressaltar, com eloquência, que quem dá o tom da Olimpíada é o prefeito do Rio.

Não aceita interferência porque não quer ver manifestação na sua porta por conta de responsabilidades alheias.

Mas não abordou um ponto fundamental para tornar crível sua falação: Quanto a Olimpíada vai custar? Quem paga o quê?

A previsão inicial, de cerca de R$ 30 bilhões, em 2009, necessita de atualização. E como tamanho gasto público poderá ser revertido para a população?


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