Folha de S. Paulo


Infecção de mosquitos por bactérias é estratégia eficaz para conter dengue

A mais promissora das estratégias de combate ao Aedes aegypti é uma bactéria sexualmente transmissível.

Wolbachia é uma bactéria que infecta cerca de 60% das espécies de mosquito existentes no mundo, sem ser transmitida para os vertebrados. Infelizmente, na natureza ela não infecta o Aedes aegypti, transmissor de dengue, chikungunya, zika e outras viroses.

Digo infelizmente porque, no final da década de 90, Scott O'Neill e um grupo de microbiologistas da Universidade Monash em Melbourne, na Austrália, descobriram que a infecção por Wolbachia interfere com a fertilidade do Aedes e com o sexo de seus descendentes, além de bloquear a reprodução de vírus no organismo do mosquito.

Num trabalho de campo conduzido em 2011, o grupo de O'Neill libertou numa cidade da Austrália dezenas de milhares de Aedes aegypti infectados em laboratório pela Wolbachia. Em cinco semanas, 90% dos Aedes selvagens haviam contraído a bactéria. Testes na Indonésia e no Vietnã apresentaram resultados semelhantes.

Líbero/Líbero/Editoria de Arte/Folhapress
Ilustração de Líbero para coluna de Drauzio do dia 12 de novembro de 2016

A capacidade da Wolbachia ser transmitida de um mosquito portador da bactéria para outro, entretanto, não prova definitivamente que essa intervenção reduz a incidência de dengue, chikungunya e zika em humanos, mas uma pesquisa com esse objetivo foi iniciada em Yogyakarta, na Indonésia.

O Programa de Eliminação da Dengue vai conduzir testes semelhantes no Rio de Janeiro e em Medellín, na Colômbia. A libertação de mosquitos infectados cobrirá uma área em que vivem 2,5 milhões de pessoas em cada cidade.

Ensaios-pilotos com mosquitos infectados já foram realizados em duas comunidades do Rio de Janeiro, em 2014, e nos subúrbios de Medellín, em 2015. A soltura em grande escala, no entanto, só se tornou possível agora graças à doação de US$ 18 milhões provenientes da Fundação Bill and Melinda Gates, do Welcome Trust da Inglaterra e dos governos inglês e americano. Ao Brasil caberá o aporte de mais US$ 3,7 milhões.

O plano é soltar nas duas cidades ondas com centenas de milhares de mosquitos infectados, estudar os índices de transmissão da bactéria para as populações selvagens e avaliar o impacto na incidência de dengue, zika e chikungunya na população.

Outros cientistas realizam investigações similares. Em Cingapura está para ser iniciado um estudo com Aedes machos infectados com uma cepa de Wolbachia que torna os descendentes estéreis. Uma empresa americana de biotecnologia submeteu à aprovação dos órgãos competentes uma estratégia semelhante para combater o Aedes albopictus, o mosquito-tigre, que também transmite dengue e chikungunya.

Em pesquisas de larga escala conduzidas em Guangzhou, na China, os cientistas têm libertado semanalmente milhões de Aedes albopictus infectados. Estudos como esse são realizados na Polinésia Francesa.

As Wolbachias se disseminam facilmente entre populações de mosquitos selvagens. No entanto, provar que tal habilidade protege contra a dengue e demais doenças transmitidas pelo Aedes é condição absolutamente necessária para o emprego dessa tecnologia.

A intervenção precisa demonstrar que é custo-eficaz e duradoura. Será que ainda funcionará daqui a dez ou 20 anos?

Outro desafio dos testes no Rio e em Medellín é o tamanho das duas cidades. Como os mosquitos infectados se comportarão nas áreas densamente povoadas das favelas?

Além das dificuldades científicas, é preciso conseguir apoio da população, para deixar claro que o risco de transmissão humana da Wolbachia é zero, porque a bactéria é incapaz de sobreviver no organismo humano.

A experiência com os alimentos transgênicos e com outras tecnologias recentes, entretanto, mostra que das trevas podem emergir vozes dispostas a predispor as comunidades contra mosquitos infectados em laboratório.

A infecção de mosquitos Aedes pela Wolbachia é a estratégia com mais chances de diminuir o número de casos de dengue, chikungunya e zika, doenças que causam sofrimento e morte, especialmente entre os brasileiros mais pobres.

Philip McCall, entomologista que estuda o controle de mosquitos na Escola de Medicina Tropical de Liverpool, no Reino Unido, considera essa a descoberta mais importante desde o inseticida DDT.


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