Folha de S. Paulo


Zika

Até 1947 ninguém sabia da existência do vírus zika.

Naquele ano, pesquisadores do Yellow Fever Research Institute prenderam um macaco-sentinela numa jaula, no meio da floresta Zika, em Uganda, como parte de um estudo para monitorar a circulação do vírus da febre amarela. A amostra de sangue colhida assim que o macaco teve febre permitiu isolar o vírus zika.

No começo de 2015, os serviços de saúde brasileiros detectaram os primeiros casos da doença no Nordeste. Em menos de um ano, o vírus se espalhou para a maior parte das Américas do Sul e Central, do Caribe e chegou ao México.

Aqui, ninguém sabe onde a epidemia vai parar. Já temos mais de 4.000 bebês com suspeita de microcefalia, a face mais trágica. A constatação de que algumas dessas crianças nascem com comprometimento da visão e da audição faz pensar que microcefalia seja apenas parte de uma síndrome neurológica muito grave e incapacitante.

Além dessa síndrome, o que mais assusta são as características da disseminação. Embora tenham sido descritas transmissões ocasionais por transfusão e por sexo, o Aedes foi capaz de levar o vírus do Nordeste brasileiro ao México em velocidade vertiginosa. Que outra virose transmitida por mosquito se disseminou tão depressa na história recente da humanidade?

Poderíamos supor que a viremia na fase aguda fosse tão elevada que, ao picar, o mosquito engolisse sangue com grande quantidade de partículas virais. Ou, então, que o vírus se multiplicasse freneticamente nas glândulas salivares do Aedes. Nenhuma das duas hipóteses foi confirmada: a concentração do vírus no sangue permanece relativamente baixa durante a fase aguda, e assim se mantém nas glândulas salivares do vetor.

Outro entrave é a falta de testes sorológicos para diagnosticar quem está ou já foi infectado: os anticorpos contra o zika dão reação cruzada com os da dengue, da febre amarela e dos vacinados contra ela.

O único exame disponível é a detecção de partículas virais no sangue por métodos moleculares –realizado apenas em laboratórios de referência–, com a agravante de que a positividade só é detectada no sangue nos quatro ou cinco dias iniciais da sintomatologia. Passado esse período, o vírus desaparece da circulação, embora ainda persista na urina por duas ou três semanas.

Não fossem as grávidas, o agravo seria menor. Descontados os casos raros da síndrome de Guillain-Barré, que provoca paralisias musculares, a doença é de evolução benigna: exantema (vermelhão no corpo), dor de cabeça, conjuntivite, febre baixa (ao contrário da dengue), dores articulares e prurido, sintomas que desaparecem em menos de uma semana.

Um estudo feito na Polinésia estima que 75% a 80% dos infectados permanecem assintomáticos, números repetidos à exaustão. Sinceramente, desconfio que essa estimativa tenha pouco valor científico: como diagnosticar com precisão casos assintomáticos numa enfermidade em que o único teste existente só dá resultado positivo por período tão curto, a partir da instalação do quadro clínico?

As mulheres em idade fértil vivem um drama à parte. É arriscado engravidar agora? Além de fugir do mosquito como o diabo da cruz, as grávidas querem saber se fazem parte da legião de infectados que não apresentou sintomas. Nessa eventualidade, correriam risco de malformação? As que já tiveram zika, precisam aguardar quantos meses para engravidar com segurança?

Tudo faz crer que o vírus seja eliminado em algumas semanas pelo sistema imunológico, e que a imunidade seja duradoura, mas como ter certeza numa doença que apareceu entre nós há menos de um ano?

No meio de tantas dúvidas, só nos resta recomendar cautela. Esperar o inverno, quando as condições climáticas dificultam a proliferação do mosquito, para ganhar tempo e entendermos melhor o que se passa.

Estamos no epicentro de uma epidemia de consequências gravíssimas que exige mobilização popular, ações governamentais ágeis e eficazes e recursos financeiros.

Num país com baixa escolaridade, em crise econômica, com níveis vergonhosos de saneamento básico e serviços de saúde que lidam com a falta crônica de financiamento e dificuldades gerenciais não há uma razão sequer para otimismo.


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