Folha de S. Paulo


Argumentos sobre o Oriente Médio se repetem há décadas

Khalil Ashawi /Reuters
Membro da defesa civil carrega uma menina ferida após ataques aéreos na cidade de Maaret al-Numan, província de Idlib, na Síria
Membro da defesa civil carrega menina ferida após ataque aéreo na cidade de Maaret al-Numan, na Síria

Raramente o intenso interesse pelo Oriente Médio se converte em análises sofisticadas. Síria e Iêmen passam por crises urgentes, marcadas por questões contemporâneas como o avanço nas tecnologias da comunicação e a mudança climática — mas governos e especialistas insistem nos mesmos argumentos há décadas.

Quando o filósofo francês Michel Foucault foi a Teerã e testemunhou a insatisfação popular que levou à Revolução Iraniana de 1979, ele deparou-se com questões semelhantes àquelas discutidas hoje.

O livro "Foucault in Iran", publicado em agosto por Behrooz Ghamari-Tabrizi, reúne algumas das críticas feitas ao pensador, contestado devido a seu apoio inicial à revolução, que mais tarde culminou no estabelecimento de uma república islâmica. Para seus detratores, Foucault falhou em reconhecer o fundamentalismo do aiatolá Khomeini e a perda de direitos individuais que estava "evidente" nas mobilizações populares.

O debate é contemporâneo. A começar pela ideia orientalista de que o Oriente Médio se move a partir da eterna dinâmica entre uma força democrática e secular e outra autocrática e islâmica. Ou que extremistas, como os militantes do Estado Islâmico, estão isolados da história e são herdeiros de uma estrutura política do século 7, em vez de o produto do colonialismo do século 20.

O véu foi um tema frequente no debate público a respeito do Irã, assim como nas análises atuais sobre o Oriente Médio e sobre o islã na Europa. Mas, como argumenta Ghamari-Tabrizi, delegações enviadas a Teerã para defender o direito das mulheres se esqueceram de perguntar-lhes o que elas queriam fazer com o próprio corpo. E quem lhes está perguntando, hoje, em Cannes?

Outro argumento recorrente é o de que a presente insurgência veio sem aviso. Também se disse isso sobre o Irã. Em 1977, o presidente americano Jimmy Carter brindou ao xá iraniano e afirmou que o país era uma "ilha de estabilidade", assim como o presidente francês Nicolas Sarkozy apertou a mão do ditador líbio Muammar Gaddafi em 2007, quatro anos antes de sua deposição.

E, assim que as manifestações de 2011 no Oriente Médio não tiveram o resultado esperado, elas foram descritas como as de 1979. Teerã e Cairo parecem idênticas, quando se diz que em ambos os casos as forças religiosas (o aiatolá ou a Irmandade Muçulmana) "sequestraram" a revolução e tomaram o poder que deveria ser secular, ignorando o papel social que o islã exerce há décadas nesses dois países.

Há tantas semelhanças que, a não ser que a história seja realmente entediante e repetitiva, o problema pode estar na interpretação. E, se o entendimento do Oriente Médio segue paralisado, tomado por fantasias elaboradas na Europa e nos EUA, que duros anos estão por vir.


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