Folha de S. Paulo


Liberdade coadjuvante

–Mas é um Beatle!

Foi assim que meu filho acabou me convencendo a levá-lo ao show do Ringo Starr. Resisti. Ponderei que já havíamos visto Paul McCartney, que já era a segunda vez que Ringo aproveitava o rastro do companheiro estelar para fazer a sua graninha no Brasil e que ver o show de um baterista àquele preço não fazia sentido.

Mas, ao último argumento de Pedro, acabei me deixando levar pelo orgulho de constar em nossas biografias o privilégio de ter visto metade da banda ao vivo, ainda que separada em dois shows solo. Comprei os ingressos.

Ilustração Zé Vicente

O show parecia vazio. Inventaram uma pista VIP. Como eu, muitos se recusaram a pagar por ela e, agora, numa área considerável, separada na frente do palco, circulavam constrangidos apenas alguns poucos, fiéis e endinheirados beatlemaníacos.

Comecei a ficar com pena do baterista. Por mais consciência que tivesse de sua posição na banda, veria, assim que subisse ao palco, aquele imenso clarão vazio à sua frente. Tive vontade de ir ao segurança e sugerir a liberação geral a partir do começo do show, só pra que Ringo visse de perto o quanto ainda éramos muitos.

Não fui. Fiquei com vergonha de parecer querer levar vantagem. Ofender as "very important people" que estavam ali e tinham pago mais do que eu. Enfim, essas ridículas leis de mercado que superam o bom senso.

Começou o show e arrisco dizer que Ringo Starr e sua All Star Band foi um dos melhores shows que vi na vida. Ringo reuniu outros veteranos coadjuvantes de outras bandas que, junto com ele, fazem um show inesquecível. Parece, sim, que vieram ao Brasil para ganhar seu dindim, mas isto não tem a menor importância diante da visível alegria de continuarem tocando e, principalmente, da leveza descompromissada de ser coadjuvante.

Ringo Starr é um ser alegre, um gaiato. Sabe se divertir e contagia a plateia com o seu prazer. Seus companheiros são velhos roqueiros que tocam sucessos antigos de suas bandas, nos deixando em completo estado de nostalgia.

Brincam de estrelas, brincam de vocalistas e acabamos por ver um show de mágica onde bateras, cordas e teclados transformam velhos em meninos. Acho que nem notaram o clarão na plateia VIP. Sua imensa plateia de coadjuvantes gritava ao final do show.


Endereço da página: