Folha de S. Paulo


Modernas missivas

Me rendi. É legal. Os torpedos vêm estragando a minha vista ao mesmo tempo que me conquistam o coração. Comecei devagarinho, mas agora já me enfiei em grupos e uso emoticons.

Nas últimas festas de fim de ano, a maior estrela das casas foi mesmo o WhatsApp. As famílias se multiplicavam na medida que cada integrante trazia em sua telinha mais um tanto de amigos para a ceia.

É curioso como a rede social cria um sentido muito maior e faz real jus a seu nome quando alguma coisa nos une de verdade. Uma noite de Natal, por exemplo. É mesmo incrível poder mandar uma foto de onde você está para alguém que também está comemorando a mesma coisa em outro lugar. É muito legal.

Ilustração Zé Vicente

Mas é também verdade que vivemos um dilema. Não sabemos como lidar com pessoas que riem sozinhas com o rosto azul, que muitas vezes falam com você em câmera lenta, palavra por palavra, dando pausas sem sentido —como se tivessem bebido todo o vinho da festa— e, quando ficam sem os olhos na coisa, parecem viver em ansiedade.

Esse é nosso novo desafio: entender quem somos com esse novo orgão chamado smartphone. Saber estar aqui com o poder de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Vamos tentando. Aprendendo a viver partidos.

O grande bônus é que essa coisa tão moderna acabou por recuperar um hábito muito antigo: a comunicação escrita. E escrevemos muito do que não temos coragem de dizer. Se fala bonito pelas linhas. É charmoso. Ouso dizer que não ouviria no telefone as mensagens de fim de ano que recebi por escrito. E teria certo pudor de falar em alto e bom som as que mandei.

Por que será que não conseguimos dizer muito do que conseguimos escrever? Por que o elogio cria um certo incômodo? O elogiado não sabe o que fazer, fica vermelho, os presentes se constrangem. Acho que o elogio foi tão usado como moeda de troca que sempre desconfiam de alguém que se propõe a elogiar assim, de peito aberto. Mas isso é uma longa conversa.

Na atmosfera de avaliação de relações, a que ainda nos rendemos a cada dezembro, o WhatsApp encorajou muita gente que estava quieta a manifestar o seu afeto.

Diante do que nos tornamos, talvez tenhamos agora, ao alcance dos nossos dedos, o verdadeiro resgate das declarações de amor.


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