Folha de S. Paulo


Risos, lágrimas e variantes

Saí de cena amuada. Meu colega de elenco percebeu:

— Que foi?

— Nada. Não funcionou.

— Como não? Eles riram.

— Mas não é esse riso que interessa.

Ele me olhou como se eu estivesse ficando maluca.

Ilustração Zé Vicente

Um ator comediante se acostuma a ouvir a plateia. Entre celulares e papéis de bala, fui também treinando o ouvido para as diversas sonoridades de uma risada. Não são todas iguais, têm vozes diferentes. E falam. Adoro, por exemplo, a risada que batizei de "pior que é". O sujeito ri com uma faca no coração, reconhecendo no teatro a fragilidade de sua existência. É linda. Faz uma curva no ar e dilui-se em dor. Além dessa, outras tantas variantes costumam me alegrar ou angustiar em cena.

Mas não é necessário ser um comediante para as risadas multicolorirem-se em seu ouvido. Certa vez, bem pequeno, meu filho Pedro percebeu uma nuance:

— Ele tá rindo mas não tá alegre, né, mamãe?

Nestes tempos de digitação frenética, não haverá kkk, rsrs, hahaha ou emoticons suficientes para captar as infinitas gamas que uma risada, um sorriso, um olhar ou até mesmo algumas lágrimas podem atingir.

Li na semana passada uma matéria sobre Rose-Lynn Fisher, uma fotógrafa americana que, passando por uma crise existencial, resolveu fotografar suas lágrimas secas sob a lente de um microscópio. O trabalho é lindo. Parecem fotos aéreas e por isso mesmo ela o batizou de "Topografia das Lágrimas".

Rose olhou de cima para a sua melancolia, surpreendeu-se com o resultado produtivo, animou-se e foi mais fundo na pesquisa. Colheu lágrimas de voluntários e de diferentes emoções da mesma pessoa.

Descobriu que as lágrimas são muito diferentes entre si. Inclusive as da mesma pessoa quando chora por tristeza, alegria ou simplesmente bocejando. O trabalho de Rose me deu vontade de, se possível fosse, colocar num microscópio as diferentes risadas que ouço no teatro. Mais: me deu vontade de sair do teclado e aguçar os sentidos para tudo que nos parece único e inteiro, mas que esconde um mundo de variantes quando se ouve, se cheira, se toca e se vê.


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