Folha de S. Paulo


Festa no céu

- Fala baixo, Francisco!

Vinham pai e filho pelo corredor do avião. Eu só conseguia ver o pai, o pequeno vinha escondido pelas poltronas. Sentaram na minha frente. Me arrepiei. Já estava com meus textos no colo pra começar a estudar.

Em épocas de maratona, uma simples ponte aérea vira uma eternidade de tempo a ser aproveitada. O pequeno insistia em tagarelar. Entrou falando de uma passagem secreta que os tinha trazido até ali. O finger, provavelmente.

Fiz força pra me concentrar, mas Francisco era dono de uma voz realmente poderosa:

- Tem restaurante?

- Não, Francisco, não tem restaurante. Agora não tem nem lanche, vão te dar só um amendoinzinho.

Ilustração Zé Vicente

Percebi que se tratava do primeiro voo de sua vida. Lembrei do meu. Eu já era adulta quando voei pela primeira vez. Acordei decepcionada com o dia chuvoso e fui às lágrimas quando encontrei o sol depois das nuvens.

O avião decolou. A cada frase de Francisco, eu interrompia minha leitura, mas acordava da minha letárgica intimidade com as corriqueiras viagens de avião.

É mesmo uma coisa incrível este troço voar e vamos nos esquecendo disso. Eu costumava pedir uma janela para a orla quando deixava o Rio de Janeiro e nem mais isso eu faço. Acabo mergulhando num livro ou num texto a estudar. Desta vez, no entanto, quando furamos o tapete de nuvens, Francisco me fez esquecer totalmente a leitura:

- Cadê Jesus?! Jesus! Receba esta minha visita!

Foi uma gargalhada geral. Depois, um silêncio curioso. O comentário do pequeno deve ter feito muitos passageiros renovarem seus pai-nossos nas alturas, tentando garantir o adiamento de suas visitas ao próprio.

Eu até comecei o meu, mas abandonei no meio, lembrando dos santos de minha avó com suas nuvens nos pés, totalmente embriagada pelas nuvens que Francisco me fazia agora olhar de novo. Ele continuava calado, mas simplesmente porque era difícil falar enquanto devorava seu pobre saquinho de amendoim.


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