Folha de S. Paulo


Usar ou guardar?

CHOVE MUITO em São Paulo e como de costume estou num carro antigo, em direção à coleção de um amigo.

Meu prazer de dirigir um clássico não se limita aos domingos ensolarados.

Gosto tanto deles que os uso diariamente, sob sol ou chuva.

Alguns carros são tão raros que muitos colecionadores não gostam de andar com eles, com medo de estragá-los.

Mas o que estraga mesmo é deixar os carros parados: a gasolina decanta, formando uma borra que entope tudo, as borrachas ressecam, os pneus ficam deformados, o freio de mão cola na panela, a bateria descarrega e por aí vai.

Mas o pior é que você acaba esquecendo que o carro existe, e assim fica difícil impedir que o amor e o cuidado acabem desaparecendo também.

Ainda chove e o ar quente do meu antigo não funciona muito bem. Com uma mão no volante e a outra esfregando o embaçado do para-brisa, consigo encontrar o galpão do A. M., que prefere manter o nome sob anonimato.

Vejo com certa cumplicidade que chegar com chuva foi mais difícil para ele, dirigindo um HRG 1500 sem capota ano 1948, do que foi para mim.

Encharcado, A. M. me conta que também é adepto de usar os carros antigos no dia a dia e que todos os carros ali estão prontos para rodar.

Os favoritos dele são antigos de verdade, modelos da década de 30. Automóveis para os quais se inventou a denominação "carro clássico".

Antes do lançamento da revista britânica Classic Cars, em outubro de 1973, os carros com mais de 30 anos eram simplesmente chamados de velhos.

Diferente de A.M., seu pai, também antigomobilista, chega ao galpão em um carro moderno.

Ele me conta mais sobre um dos modelos favoritos da família, um Chevrolet 1931 carroceria Torpedo (conversível com quatro lugares), comprado em 1990.

Trata-se de um dos primeiros exemplares da marca equipado com um motor de seis cilindros.

Na hora de ir embora, o carro moderno não quer ligar, aparentando algum problema no motor de arranque.

O jeito é voltar da maneira que A.M. mais gosta, a bordo de um carro antigo.

Mesmo sob chuva.

Denis Cisma/Folhapress
A.M. e o Chevrolet 1931 Torpedo
A.M. e o Chevrolet 1931 Torpedo

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