Folha de S. Paulo


O sorriso do Trabant

O cérebro humano tem a habilidade de reconhecer rapidamente rostos.

Segundo o cientista Carl Sagan, esse reconhecimento de padrões em nossos cérebros é tão eficiente que, às vezes, vemos faces onde elas não existem.

Os designers de carros, consciente ou inconscientemente, desenham os faróis e a grade do radiador de modo que os automóveis tenham feições humanas. O Mini Cooper e o Fiat 500 podem até ter uma cara simpática, mas "feliz" mesmo era o Trabant, da Sachsenring, antiga montadora da Alemanha Oriental.

Fabricado de 1957 até pouco depois da queda do muro de Berlim, na virada dos anos 1990, os Trabants pareciam sorrir.

Contagiado pelo carisma do carrinho de baixo preço na Europa, Mario Reuter, 44, viu no modelo uma grande oportunidade de marketing: comprou logo três para divulgar as cervejas que importa, especialmente as do Leste Europeu.

Envelopado de Czechvar, uma marca de bebida tcheca, o Trabant 1969 do empresário faz sucesso em eventos.

Mas a história dos Trabants dele não foi só de alegria. Ao importar os carros da Turíngia, na Alemanha, Reuter sofreu um golpe de um despachante aduaneiro mal-intencionado. Pagou-o pelo serviço e por todos os impostos, mas nada de ter a liberação.

Os carros, que chegaram bem conservados, ficaram dez meses ao relento no porto de Santos. E, mesmo com parte da carroceria feita de Duroplast, um plástico reforçado semelhante à fibra de vidro, acabaram deteriorados.

Vidros e lanternas se quebraram, havia água e mofo na tapeçaria, além de ferrugem onde não existia antes.

Depois de pagar novamente todos os impostos, foi necessário gastar também com as restaurações. Já o estelionatário foi devidamente processado.

De cara nova, os Trabants de Reuter voltaram a sorrir. Quem os vê na rua, inevitavelmente, acaba retribuindo o sorriso também.


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