Folha de S. Paulo


Super Viking Bros

Sempre que um cineasta se envolve na produção de um jogo ou um game designer fala em criar algo "mais próximo do cinema" eu começo a desconfiar do resultado. Híbridos podem render algo interessante, é claro, mas em geral o que aparece é um fruto de insegurança ou necessidade de legitimação, como quando uma história em quadrinhos tenta ficar "mais próxima da literatura". Prefiro que games sejam games e HQs sejam HQs, mais próximos --e donos-- de seus próprios limites e possibilidades, sem tentar se parecerem com outra coisa.

Ao ler as primeiras notícias sobre "Brothers: A Tale of Two Sons" e descobrir que o jogo sueco era uma colaboração entre um diretor de cinema (Josef Fares) e um estúdio (Starbreeze) que até então tinha se envolvido basicamente com joguinhos de pôu-pôu-pôu como "Payday 2" e "The Darkness", coloquei o título no final da minha lista de interesses. Se não tivesse lido um "preview" pouco antes do lançamento, provavelmente nem teria me animado a jogar.

E rapaz, que perda teria sido. Disponível para XBLA, PSN e Steam, "Brothers" é um dos pontos altos de 2013. Antes de mais nada a arte é muito bonita, com grande variação de cenários, especialmente para um título de orçamento modesto. E a mão do cineasta se enxerga do modo certo: ao invés de se revelar uma "cutscene" interativa, o jogo usa ângulos de câmera bem pensados, sempre com planos que tiram o máximo proveito do ambiente e ajudam a avançar o enredo.

E que enredo é esse? "Brothers" é um adventure linear com ambientação fantástica, nada de Tolkien: aqui os trolls e gigantes lembram mais o folclore nórdico tradicional. Encena a aventura de dois irmãos, órfãos de mãe, que saem em busca da árvore sagrada que produz um elixir capaz de salvar seu pai moribundo. O jogador controla os dois ao mesmo tempo, num esquema simples e eficaz: um analógico para movimento e um botão de ação para cada um dos irmãos.

A narrativa avança através de "puzzles" colaborativos, que apesar da variação nunca se tornam muito complicados. Ao contrário do que pode parecer a quem assiste aos vídeos promocionais, não há "platforming" envolvido. Todo o leque de ações possíveis aos irmãos, que quase nada diferem em termos de habilidades, se limita à resolução de "puzzles" ou à interação pontual (e, quase sempre, opcional) com habitantes do universo do jogo.

E é esse universo e sua ambientação melancólica, apesar das cores vivas e do "character design" quase cartunesco, que sustenta o grande achado do jogo: a implementação do esquema de controle para criar uma ponte emocional entre os dois irmãos e, num segundo momento, entre o jogador e os personagens. Apesar das intervenções ocasionais de NPCs, o sentimento de solidão e pequenez diante do ambiente e da tarefa é opressora, como nos jogos de Fumito Ueda - homenageado com bancos que pontilham o cenário e permitem que os irmãos descansem um pouco da aventura, como Yorda e o personagem-título faziam em "Ico" para salvar o jogo.

E como nos jogos de Ueda, o caminho para vencer essa sensação de ameaça é intensificar a presença do outro personagem, construindo empatia - basta lembrar a importância da interação com Agro em "Shadow of the Colossus". Aqui, por conta do controle simultâneo da dupla de personagens, isso tem um sabor peculiar.

Ainda que "Brothers" às vezes resvale no melodrama - reforçado pela trilha um tanto óbvia em momentos cruciais - e o clímax do enredo não seja de todo imprevisível, o trunfo do jogo só fica claro nos instantes finais. É uma surpresa que de fato comove, e ao mesmo tempo escancara a simbiose entre nossa apropriação cognitiva de elementos da mecânica e nosso investimento emocional nos personagens que passamos algumas horas controlando.

E é por esse detalhe nada mínimo, indicador certeiro da eficácia dos games em criar paisagens mentais, que recomendo a quem resolver conferir a versão para PC que não deixe de jogar com um gamepad. Neste caso, é o que faz um jogo competente cruzar a linha e se tornar uma experiência marcante.


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