Folha de S. Paulo


Uma casa para sempre

Na entrada do museu Metropolitan de Nova York, uma família se prepara para a guerra.

O pai pendurou ao redor do pescoço o gravador para a grande visita guiada. Haja dor nas costas.

Ele alugou um gravador só –digamos que seja para economizar. Mas é provável que se trate de um pretexto: aposto que ele quer ser o único a escutar as explicações, que só chegarão até a mulher e aos filhos porque ele as transmitirá. Os outros nunca saberão direito se ele tem mesmo algo para dizer sobre esse incrível amontoado de "arte", ou se ele apenas repete o que acaba de ouvir.

Tensão no ar: o pai dá ordens secas sobre como os dois meninos (entre 10 e 13 anos) devem se comportar. A família certamente tem uma certa experiência de visitas a museus que foram catastróficas. "Vocês fiquem aqui perto! Vocês escutem! E tentem aprender alguma coisa, e não quero ouvir que estão cansados ou com fome ou com sede. Banheiro é agora ou nunca mais até o almoço."

A mulher escuta cabisbaixa, quase envergonhada. Fico com a impressão de que ela tenta aparecer como aliada do marido, mas sente que tudo aquilo vale para ela também –como se ela fosse mais uma filha, tão "chata" quanto os meninos.

A gente pode reprimir ideias, fantasias e pensamentos –por reprimir, quero dizer fechar num canto da mente e esquecer. Mas, com os afetos dos quais queremos nos livrar, fazemos diferente: nós os projetamos nos outros. Por exemplo, o pai daquela família estava preocupado com o eventual pouco interesse dos meninos porque, de fato, ele mesmo era horrorizado pela tarefa que acabava de se atribuir e por sua ignorância e exclusão cultural –coisas que, previsivelmente, ele constataria e tentaria esconder.

Em suma, na visita ao Metropolitan, a repressão do comportamento dos meninos era o jeito de o pai castigar sua própria pouca vontade de estar lá.

Fui direto para uma pequena exposição (poucas dezenas de peças), aberta até setembro de 2016. Se você passar por Nova York, aconselho. Chama-se "Design for Eternity" (design para a eternidade, modelos arquitetônicos da América antiga –há um ótimo catálogo).

Trata-se de modelos da arquitetura pré-colombiana, encontrados do México até aos Andes, em tumbas datadas desde o primeiro milênio antes de Cristo até a chegada dos espanhóis. Os modelos são em cerâmica, pedra, madeira ou metal. Não são maquetes: alguns são vasos em forma de edifícios, que talvez servissem para oferecer libações às almas dos mortos ou aos deuses –ou, quem sabe, para os próprios mortos beberem. Outros modelos talvez sejam residências para a viagem ao Além. Ou símbolos do status do morto.

E, se você gosta de coisas mais espetaculares, perto das salas da exposição, há o Jan Mitchell Treasury, com uma famosa máscara funerária pré-colombiana em ouro.

Enfim, sempre achei que o caixão é uma demora desconfortável, insuficiente. Prefiro as antigas câmaras mortuárias, nas quais dava para deixar objetos úteis para o defunto.

Aliás, por exíguo que fosse o caixão, sempre coloquei coisas ao lado dos meus mortos, ou no bolso deles. Na Itália da minha infância, era normal as crianças ficarem um tempo sozinhas com os mortos, para elas se despedirem. É assim que deixei, com defuntos diferentes, uma pequena chave de fenda verde, um ônibus londrino de dois andares da Dinky Toys (ou era da Corgi?) e um caderninho com lápis.

Talvez o importante fosse apenas minha renúncia a um objeto querido como prova de amor pelo defunto. Ou talvez se tratasse de um viático ou de algo que serviria na chegada ao Além.

O que dirão sobre minhas oferendas quando, no ano 4000, forem encontradas em "antigos" sepulcros italianos?

De qualquer forma, uma demora subterrânea, com um mínimo de espaço, parece-me preferível à exiguidade do caixão.

Durante muito tempo, pensei que meu lugar de descanso final seria em Veneza (agora, não sei mais; a casa de Veneza foi vendida). No cemitério de San Michele, é possível reservar urnas de mármore, que são pequenas, mas, em compensação, são dispostas em cima de uma estante, ao ar livre. Essas urnas têm a forma de uma casa, com o teto inclinado, que protege as cinzas da chuva e dá a impressão de um lar final.

E se, como no terremoto de 2013, uma urna caísse e se abrisse? Bom, que a coloquem de volta, com um pouco de terra a mais ou de cinzas a menos".


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