Folha de S. Paulo


Ovo hoje ou galinha amanhã?

Domingo, voltando a São Paulo, assim que o avião tocou o solo, minha vizinha de poltrona retirou da bolsa e reanimou o celular que ela nunca tinha desligado –contrariando a ordem expressa de apagar totalmente qualquer aparelho eletrônico.

Naquele exato momento, a aeromoça pediu que os celulares fossem ligados só quando o avião estivesse de porta aberta. Minha vizinha, já nos seus e-mails, procurou minha cumplicidade: "Não dá para esperar, hein?".

Se você tem simpatia pela minha vizinha e, a esta altura, pensa que o mundo merece ser de quem não quer esperar, é bom lembrar que o famoso teste do marshmallow diz o contrário.

Proponha esta alternativa a crianças de cinco anos: você pode comer um marshmallow (ou outra guloseima preferida) agora mesmo ou, então, esperar até eu voltar, e aí você terá direito a dois marshmallows. Acrescente que, se a criança não aguentar e chamar antes de você voltar, você aparecerá imediatamente, mas ela ficará com um doce só.

Essa experiência foi realizada numa creche da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, no começo dos anos 1960. Em tese, o teste explorava os meios pelos quais as crianças conseguiam resistir à tentação imediata (ou, ao contrário, as estratégias que as levavam a desistir rapidamente).

A pesquisa se tornou um clássico décadas depois, quando seu autor, Walter Mischel, reencontrou as crianças testadas originalmente para ver como elas tinham evoluído.

Ao longo dos anos, as crianças que tinham sido capazes de esperar e ganhar dois marshmallows se deram muito melhor do que as outras: nos estudos, no equivalente ao vestibular, na profissão que escolheram, na estabilidade das uniões afetivas etc.

Mischel, hoje professor de psicologia na Universidade Columbia, em Nova York, acaba de publicar "The Marshmallow Test" (ed. Little, Brown & Co.). No livro, ele expõe a história do teste (e de seus derivados, dos anos 1960 até hoje) e medita sobre os resultados e suas eventuais consequências pedagógicas.

Mischel, que é também um clínico e bom leitor de Freud, não tira conclusões apressadas da experiência que o tornou famoso. Mesmo assim, é frequente que os resultados do teste do marshmallow sejam interpretados como a demonstração do fato de que a exigência de satisfação imediata e a incapacidade de controlar os apetites prometeriam o fracasso social.

Moral aparente da história: os que não sabem esperar (e preferem um marshmallow já) acabam mais facilmente nas prisões do que nas pós-graduações. Na fábula de La Fontaine, quem se dá bem é a formiga, não a cigarra.

Cuidado, essa conclusão é duvidosa. Os resultados do teste do marshmallow não prometem um futuro tenebroso aos que procuram o prazer. Ao contrário, a criança que consegue esperar e que terá mais sucesso na vida é a que se controla em vista de um prazer maior (dois marshmallows), e não em nome dos méritos que ela adquiriria por se privar de um prazer.

O que é bom não é saber se privar, mas saber obter uma recompensa maior. Desse ponto de vista, o crente que se comporta de modo a ganhar o paraíso não é diferente dos libertinos de Sade que suspendem sua ejaculação na esperança de encontrar um receptáculo no qual seu gozo será maior.

Mas voltemos a outro "detalhe", crucial na hora de perguntar como fazer com que nossas crianças saibam merecer o segundo marshmallow.

No teste (e na vida), uma criança só consegue se controlar e esperar que o adulto volte com a condição de acreditar em sua palavra, ou seja, com a condição de confiar nele.

Se presumo que o adulto seja um mentiroso que não voltará, melhor comer meu marshmallow agora –pois quem garante que, no fim, alguém chegará com dois marshmallows?

Não sei se o teste do marshmallow foi repetido no Brasil. Se foi (ou se for), não seria surpreendente que as crianças brasileiras pareçam mais "imediatistas" do que as americanas ou as europeias.

Mas que ninguém conclua que os brasileiros seriam mais hedonistas –quem sabe, pela herança de uma colonização que preferiu saquear a apostar no futuro. Antes disso, melhor considerar que os brasileiros, desde a infância, têm boas razões para não confiar nos "adultos" (no caso, leia-se: em quem os governa).

E, obviamente, se os "adultos" são ladrões e mentirosos, melhor comer já o marshmallow que está na mesa.


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