Folha de S. Paulo


Apenas a negociação pode começar a dissolver crise na Catalunha

Eric Gaillard - 20.dez.2017/Reuters
Homem passa em frente a mural pró-independência da Catalunha em Barcelona
Homem passa em frente a mural pró-independência da Catalunha em Barcelona

O resultado da eleição desta quinta-feira (21) na Catalunha já está dado —e é tenebroso.

"Temos uma sociedade cindida, polarizada, com um sistema político fragmentado: ninguém alcançará maioria suficiente para governar, mas todos disporão de suficiente poder e excesso de ódio para vetar", escreve para "El País" o historiador e sociólogo Santos Juliá.

As pesquisas lhe dão razão: mostram que nenhum dos sete partidos que disputam a eleição chegará perto da maioria necessária para governar e que há um empate técnico entre os dois grandes blocos, 46% para os independentistas e 44% para os favoráveis à permanência na Espanha (com a margem de erro de 3%, significa empate técnico).

A única chance de fugir à tragédia antevista por Santos Juliá está na torcida de outra colunista de "El País", Sandra León, para quem o problema não é a ausência de maiorias claras —o que certamente ocorrerá—, mas "a ausência de maiorias competentes (...) que não alimentem a perpetuação do conflito nem pretendam considerá-lo terminado, ignorando suas raízes".

Que o conflito tem raízes é mais que óbvio: o nacionalismo catalão vem crescendo há anos e ganhou dois impulsos no período mais recente. Primeiro, a crise econômica global que maltratou profundamente a Espanha e fez crescer a sensação de que uma Catalunha independente lidaria melhor com a crise.

Depois, veio a irresponsabilidade das lideranças que comandavam o governo catalão, ao vender a dupla ilusão de que a independência estava pronta, esperando na primeira curva da esquina e de que seria um pote de ouro na ponta do arco-íris. Essa irresponsabilidade provocou um estrago que a eleição, por si só, não vai desfazer.

Analisa, por exemplo, Ricardo de Querol, editor-chefe do jornal econômico "Cinco Días":

"Barcelona era o maior polo industrial do Estado [espanhol], notável praça financeira (com mais sedes de bancos que Madri), a capital das editoras de livros em castelhano, um destino turístico sem igual; já não o é. Foram-se 3.000 empresas, incluídas as maiores: Sabadell, CaixaBank, Gas Natural, Catalana Occidente, Planeta, muitas que levavam a 'catalanidad' no DNA e no nome".

Mais: "Há dois meses consecutivos, o emprego piora notavelmente, e a Esade [universidade de direito e negócios] diz que 46% das companhias paralisaram investimentos".

Quais as chances de que a eleição proporcione a "maioria competente" desejada por Sandra León?

No cenário otimista, se o bloco pró-independência for majoritário, pode ser que prevaleçam nele os moderados, que, chocados com a intervenção do Estado na Catalunha e convencidos de que ela se repetirá se o novo governo insistir em desobedecer a Constituição, imponham um ritmo negociador ao processo. Se terão um interlocutor igualmente competente em Madri, é outra questão.

Se os constitucionalistas saírem vitoriosos —e sempre no registro otimista—, pode ser que entendam que a sua maioria não significa que a outra metade terá deixado de ser independentista.

Posto de outra forma, ou se negocia, ou a Catalunha afundará ainda mais no ódio –e na ruína.


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