Folha de S. Paulo


A Odebrecht deixa as digitais no esquema de corrupção sem fronteira

Escreve Julio Heredia para o número da revista peruana "Caretas", que está nas bancas desde quinta-feira (7):

"Onde quer que se ponha o dedo no mapa do Peru, salta uma obra emblemática construída por Graña y Montero".

Pois é, "Graña y Montero" passaram a ser, esta semana, simbólicos por outros motivos, bem mais sujos: o juiz Richard Concepción Carhuancho emitiu ordem de prisão por 18 meses contra cinco empresários peruanos associados à construtora brasileira Odebrecht nos segundo e terceiro trechos da "Carretera Interoceánica Sur".

Entre eles, José Graña Miró Quesada, que durante décadas presidiu a Graña y Montero, principal construtora do Peru, até renunciar em fevereiro.

De certa forma, o caso da construtora peruana é mais emblemático da penetração da corrupção do que o da própria Odebrecht no Brasil. Afinal, Odebrecht é um sobrenome pesado no baronato empresarial, mas não faz parte da nobiliarquia brasileira, dos "quatrocentões" que se orgulham tanto de suas raízes e olham de cima para baixo os demais, mesmo os novos ricos.

Já Miró Quesada é sobrenome da aristocracia peruana —e não só no ramo da construção. A família controla o tradicionalismo jornal "El Comércio" desde o fim do século 19.

Foram presos também Fernando Camet, presidente de JJ Camet; José Castillo Dibós, diretor-geral de ICCGSA; e Hernando Graña Acuña, outro membro da diretoria de "Graña y Montero".

O caso desses empresários —e, mais que todos, da Odebrecht— é uma demonstração de como as práticas corruptas do capitalismo mafioso imperante na América Latina podem sujar mesmo as mais meritórias iniciativas.

A "Interoceánica" ou, no Brasil, Estrada do Pacífico foi concebida para favorecer a integração sul-americana, prioridade desde o governo Itamar Franco. Visava estimular circulação de pessoas, o turismo e o comércio bilateral entre o Brasil e o Peru. Além disso, vai garantir o acesso dos produtos peruanos ao oceano Atlântico e o acesso dos produtos brasileiros ao oceano Pacífico.

Iniciativa portanto louvável, mas que foi entregue à Odebrecht e sua mania de corromper governantes, no Brasil e nas vizinhanças.

No caso do Peru, as denúncias sobre a ação da empreiteira brasileira acabaram por envolver todos os presidentes deste século: Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humala (está preso) e o atual mandatário, Pedro Pablo Kuczynsk.

Também está sob suspeita a principal líder opositora, Keiko Fujimori, denunciada há uma semana por uma deputada de seu próprio partido, Úrsula Letona.

Já Kuczynski foi acusado pelo próprio Marcelo Odebrecht, ouvido em Curitiba pelos procuradores peruanos: disse que a sua empresa contratara o atual presidente, mais conhecido como PPK, como consultor financeiro, logo que Kuczynski deixou de ser ministro do então presidente Alejandro Toledo (2001/06).

Kuczynski nega, como todos os envolvidos.

Toledo está condenado a 18 meses de prisão preventiva, acusado de tráfico de influência e lavagem de ativos, por ter supostamente recebido um suborno de US$ 20 milhões (R$ 65 milhões) da Odebrecht, para favorecê-la na concorrência para a "Interoceânica Sul".

Como Toledo está nos Estados Unidos, corre pedido de extradição.

Alan García (2006/2011) também aparece, como AG, na delação de Marcelo Odebrecht e, com mais elementos ainda, na apuração da polícia espanhola sobra intermediação de um banco de Andorra para recebimento de propinas/lavagem de dinheiro.

Segundo minuciosa reportagem de "El País", Miguel Atala Herrera, ex-vice-presidente da estatal "Petróleos del Perú", foi designado pelo gabinete de García para receber US$ 1,3 milhões da Klienfeld (R$ 4,2 milhões), uma das firmas utilizadas pela Odebrecht para pagar subornos.

Ernesto Benavides/AFP
Peruvian former President Ollanta Humalais is being taken to the judge to get his sentence in Lima on July 13, 2017. Humala and his wife Nadine Heredia were sentenced to 18 months of preventive prison on money laundering and conspiracy charges tied to a corruption scandal involving Brazilian construction giant Odebrecht. / AFP PHOTO / ERNESTO BENAVIDES ORG XMIT: 001
O ex-presidente do Peru OIlanta Humala é conduzido pela polícia à prisão após passar por tribunal

O único ex-presidente que está preso pela ligação com a construtora brasileira, por enquanto, é Ollanta Humala (2011/16), acusado de lavagem de dinheiro e de associação ilícita. Teria recebido USS$ 3 milhões (R$ 9,8 milhões) da Odebrecht como parte do financiamento da campanha eleitoral de 2011.

Júlio Barata, o ex-representante da firma no Peru, declarou aos procuradores peruanos que recebera ordens de Marcelo Odebrecht para efetuar o pagamento, por solicitação expressa do Partido dos Trabalhadores do Brasil ao então principal executivo da companhia.

O mais recente laço entre Odebrecht/PT/Peru está na edição desta sexta-feira de "La República":

O empresário brasileño Valdemir Garreta, que foi marqueteiro de Marta Suplicy quando ela estava no PT, contou aos procuradores peruanos que a Odebrecht lhe pagou US$ 2 milhões (R$ 6,5 milhões) a pedido Félix Moreno, governador da região peruna de Callao, para que Garreta assessorasse sua campanha de reeleição.

Com esse tipo de capitalismo, a América Latina jamais chegará à civilização.


Endereço da página:

Links no texto: