Folha de S. Paulo


Ele (Meirelles) só pensa naquilo

Para quem gosta de ler nas entrelinhas, Henrique de Campos Meirelles acaba de lançar sua candidatura presidencia, na entrevista que esta Folha publicou na segunda-feira (4).

É óbvio que, ao dizer que o governo terá candidato e que esse candidato não será Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda está cantando, como Roberto Carlos, que "esse cara sou eu".

Nada que surpreenda quem tenha tido alguma convivência, mesmo esporádica, com Meirelles. Eu converso com ele desde que presidia o Banco de Boston no Brasil, antes de ser chamado BankBoston e antes de ser vendido ao Itaú.

Mas sua ambição de ser presidente só foi se tornando mais e mais clara depois de mergulhar na política, como candidato do PSDB a deputado federal por Goiás (elegeu-se com a maior votação, 183 mil votos, em 2002).

Não só para mim, aliás. Uma vez, durante um dos encontros anuais do Fórum de Davos, quando Meirelles era o presidente do Banco Central de Lula, foi a figura principal de um almoço sobre a situação brasileira.

Sentei-me à mesma mesa e conversamos, baixinho e discretamente, sobre uma candidatura presidencial, que ele nunca assumia, embora sorrisse marotamente cada vez que eu o provocava, chamando-o de "presidente". Ele retrucava: "Presidente, do Banco Central".

Ao final do almoço, Ernesto Ekaizer, excelente repórter do jornal espanhol "El País", que acompanhara a reunião, aproximou-se de mim e sussurrou: "Você tem razão, ele é candidato".

Não foi em 2010 nem em 2014, mas, em 2009, pela primeira vez assumiu o seu lado político, em outra conversa também na Suíça, mas esta na Basileia, onde participava da reunião anual dos banqueiros centrais.

A candidatura seria para o governo de Goiás, em uma situação que lembra bastante a que ele traçou para a candidatura presidencial em 2018: dependeria, naquela ocasião, como agora, de uma boa evolução da situação econômica.

Era junho, e o Brasil estava saindo da recessão do ano anterior, causada pela crise econômica global. Meirelles contou que, em abril, Lula de certa forma o liberara para candidatar-se. Segundo o então presidente do BC, Lula disse que gostaria de contar com ele até o fim do governo mas que não poderia proibi-lo de se candidatar.

O Brasil de fato se recuperou, tanto que, no ano eleitoral de 2010, teve um crescimento formidável (7,5%). Meirelles chegou a ser cogitado para companheiro de chapa de Dilma Rousseff, que, no entanto, não combinava com ele.
Acabou ficando no Banco Central até o fim do governo, porque havia um dono do partido governante (Lula), que escolhia quem quisesse para se candidatar e com quem se aliar (no caso, Michel Temer e o PMDB, para o azar futuro de Dilma).

Agora, o desempenho econômico certamente não será brilhante, mas não há, na coalizão no poder, uma figura forte como a de Lula para determinar quem será o candidato oficial —na discutível hipótese de o situacionismo ter alguma condição de ter candidato.

Meirelles acredita nessa hipótese e por isso lançou-se implicitamente ao mar. Os próximos meses dirão de conseguirá navegar ou se perderá o que tende a ser sua última chance de conseguir seu eterno objeto de desejo.


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