Folha de S. Paulo


Notícias de além-túmulo: o jornal impresso ainda pode sobreviver

Tony Karumba - 22.nov.2017/AFP
Homem vende jornais em Harare, capital do Zimbábue, com a notícia da renúncia do ditador Mugabe
Homem vende jornais em Harare, capital do Zimbábue, com a notícia da renúncia do ditador Mugabe

Minha grande dúvida existencial nos últimos muitos anos tem sido tentar descobrir quem morrerá primeiro, se eu ou o jornal impresso (no caso, a Folha, minha casa faz 38 anos).

Minha hipótese favorita de trabalho sempre foi a de que eu morreria primeiro. Afinal, li na "Economist", anos atrás, a previsão de que o último número do último jornal impresso circularia em 2043.

Por mais que eu não leve a sério esses supostos sábios que têm certezas absolutas sobre tudo, não deixei de fazer um cálculo: em 2043, estaria com 100 anos exatos, se sobrevivesse até lá, hipótese que me horroriza.
Portanto, o mais lógico que um jornal impresso (espero que seja a Folha) chegasse mais longe.

Bom, agora, surge uma avaliação que dá por prematuro o anúncio da morte do jornal impresso, anúncio repetido uma e outra vez nos últimos tempos.

Antes dessa avaliação, um pouco de atualização sobre os negócios do "New York Times", o terceiro melhor jornal do mundo, depois da Folha e de "El País".

Como em todo o mundo, a receita com anúncios no impresso –tradicionalmente a principal fonte de renda dos jornais– caiu 16% nos primeiros nove meses do ano, na comparação com idêntico período de 2016. Equivale a uma queda de US$ 43 milhões.

Subiu, em contrapartida, a renda com anúncios digitais, mas apenas US 23 milhões, pouco mais da metade, portanto, do que o jornal perdeu em anúncios no impresso.

Esse cenário é praticamente universal: o que se perde no impresso não é compensado pelo que se ganha no digital.

A boa notícia é que a receita das assinaturas exclusivas da edição digital aumentou 44% ou US$ 75 milhões, sempre nos primeiros nove meses do ano comparados com idêntico período de 2016.

Aí, chego a avaliação que promete uma sobrevida ao impresso: "As assinaturas do impresso permanecem fortes. Por isso, não se preocupem assinantes da edição impressa: o jornal (em papel) não vai desaparecer. Ainda é uma grande tecnologia", escreve David Leonhardt, editor da excelente "newsletter" de Opinião do jornal.

Torço para que valha para a Folha também. O jornal impresso é meu companheiro desde, pelo menos, os 13 anos de idade e, por mais que já tenha me habituado a ler jornais digitais, seria uma perda tremenda deixar de ter a companhia do papel.

Mas mais importante que meu gosto pessoal é a sobrevivência do jornalismo de qualidade e independente, impresso ou digital. Depende de você, leitor, se se decidir a se tornar assinante.

É o que relata Leonhardt: "Em termos práticos, os assinantes do 'Times' estão crescentemente pagando pelo jornalismo do 'Times'".

É uma mudança drástica no modelo de negócios: quem pagava antes eram os anunciantes.

Claro que sou parte interessada, mas não deixa de ser verdadeira a afirmação de Leonhardt: "Se você é um assinante, está ajudando a pagar pelas investigações sobre a administração Trump [ou de Temer, no caso do Brasil] ou sobre Harvey Weinstein [o predador sexual], por correspondentes e fotógrafos funcionando como testemunhas ao redor do mundo, por gráficos interativos, podcasts e vídeos, por jornalistas especializados cobrindo cultura, negócios, governo".

Completa Nicholas Kristof, também colunista do "Times" e meu companheiro no International Media Council do Fórum de Davos: "Nós às vezes podemos não alcançar a meta –e eu espero que você [assinante] nos diga quando fazemos bobagem– mas nunca foi tão crucial que desempenhemos o papel de cães de guarda".

Vale para o impresso, vale para o digital: quanto mais os assinantes se tornarem os grandes financiadores do jornalismo, mais se tornarão eles próprios os cães de guarda dos jornais. Se fizermos bobagem, assinam outra publicação.


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