Folha de S. Paulo


Temer fica, Lula lidera, o Brasil do Jeca Tatu continua vivo

Ricardo Stuckert/Insituto Lula
Lula e Temer fazem reunião no instituto do ex-presidente em 2015
Lula e Temer fazem reunião no instituto do ex-presidente, em 2015

A grande maioria dos brasileiros (89%) quer que o atual presidente, Michel Temer, seja processado, ou seja que se dê andamento à denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República.

Uma maioria menor, mas sempre maioria (54%), quer que Luiz Inácio Lula da Silva, o favorito por enquanto para ser o sucessor de Temer, seja preso. São números colhidos pelo Datafolha, meu instituto favorito.

É surreal, não é? Quem foi mesmo que disse que o Brasil não é para amadores? Até profissionais teriam dificuldades para explicar como é possível que um país sobreviva em meio à sensação majoritária de que é governado por alguém que precisa ser processado e, como se fosse pouco, pode vir a ser governado por alguém que deveria ser preso.

Pior: todos os presidentes ainda vivos do período democrático, menos Fernando Henrique Cardoso, estão citados nas investigações da Lava Jato. Mais: dois dos quatro presidentes eleitos em pleitos diretos (Fernando Collor e Dilma Rousseff) sofreram impeachment.

Dá para entender facilmente porque o Fórum de Davos acaba de colocar os políticos brasileiros como os menos confiáveis do mundo, no último lugar em um ranking de 137 países.

Como é que Lula pode liderar todas as pesquisas de opinião sobre o pleito de 2018? Minha explicação já foi dada no dia 1º de maio.

Resumo: Parte substancial do público acha que todo político é ladrão. É um preconceito e, como todo preconceito, é injusto. Mas é uma sensação disseminada não é de hoje e não é só no Brasil.

Se todo político, na visão popular, é ladrão, então o voto vai para o político mais próximo do povão, na linguagem, nas origens (por mais que delas se tenha afastado bastante) e no fato de que seu governo melhorou a vida de uma parcela da população.

Se é apontado como corrupto, paciência. Os outros também não o são?

Uma análise mais sofisticada está na coluna de Celso Rocha de Barros nesta segunda (2).

Passemos a Temer: se quase 9 de cada 10 brasileiros querem que ele seja processado, se 73% consideram sua gestão como ruim/péssima, o maior índice registrado por um governante desde o fim da ditadura, como é possível cair de 65% para 59% a parcela que cobra sua saída do governo?

Minha suspeita: é uma mistura de "não tem tu, vai tu mesmo" como "já que está deixa ficar". Traduzindo: não há ninguém, entre os que poderiam substituir Temer na eleição indireta prevista na Constituição, que provoque um tico que seja de entusiasmo no público.

Nessas circunstâncias, melhor não mexer muito para evitar que a água (para não ser escatológico), que já está no pescoço, entre pela boca, nariz e ouvidos.

Tudo somado, é o conformismo tomando conta do presente e, em princípio, também do futuro próximo. Pensando bem, o Brasil sempre foi conformista, meio Jeca Tatu.


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