Folha de S. Paulo


Maioria dos eleitores alemães prefere estabilidade, representada por Merkel

Em certo dia de 1994, Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência do Brasil, entrava na sede do SPD (o Partido Social-Democrata da Alemanha), em Bonn, então capital alemã, para uma palestra a convite dos sindicatos locais.

Parou por um momento para me dizer: "Olha, se a gente conseguisse chegar perto do bem-estar que eles conquistaram por aqui, já estaria de muito bom tamanho".

Stefanie Loos/Reuters
Cartaz de campanha da chanceler alemã, Angela Merkel, na cidade de Wustermark, perto de Berlim
Cartaz de campanha da chanceler alemã, Angela Merkel, na cidade de Wustermark, perto de Berlim

Suspeito que a maioria dos alemães também acha de bom tamanho o que já têm, tanto que, de acordo com todas as pesquisas, darão neste domingo (24) um quarto mandato consecutivo à chanceler Angela Merkel.

Pesquisa do Centro Pew dos EUA confirma: 86% dos alemães acham boa a situação econômica, número dificílimo de alcançar em qualquer outro país.

É natural, portanto, que haja "um voto pela estabilidade nestes tempos incertos de Trump e 'brexit'", como interpreta Barbara Hans, a editora-chefe da "Der Spiegel".

Mesmo fora da Alemanha, ponderável número dos que estão desconfortáveis ou ameaçados em seus países se sentem atraídos pela estabilidade e a boa situação econômica alemã: quase a metade (exatamente 43%) dos que pediram asilo em países europeus escolheu a Alemanha. Desde 2014, foram 1,4 milhão de solicitações, 800 mil das quais aceitas.

Essa massa de migrantes acolhidos chegou a arranhar o prestígio de Angela Merkel e a fornecer combustível para o grupo xenófobo AfD (Alternativa para a Alemanha, na sua sigla em alemão).

Mas a turbulência política durou pouco e logo o eleitorado, de acordo com as pesquisas, voltou para o manso regaço de Merkel, muitas vezes chamada de "mutti", como os alemães tratam carinhosamente suas mães.

É justo dizer que o modelo alemão de bem-estar social é uma obra coletiva, que vem desde Otto von Bismarck, há quase 150 anos, e foi aperfeiçoado no pós-guerra tanto pela social-democracia como pela democracia-cristã de Merkel, para ficar apenas na área política.

Está tão enraizado que, em outra viagem pelo país, há 20 anos, me surpreendeu ouvir de um líder empresarial, depois da inevitável defesa das reformas ditas neoliberais, a enfática afirmação de que o direito a uma vida digna é inegociável na Alemanha. Não é, portanto, uma questão de direita, de centro ou de esquerda, mas de identidade nacional.

Que o país tem problemas, é óbvio. Um deles: há 6,5 milhões vivendo dos chamados "minijobs", empregos precários que pagam € 450 por mês (R$ 1.688), um terço aproximadamente do salário mínimo.

Mas as sucessivas eleições de uma líder, como Merkel, a mais emblemática figura do status quo, confirma que a maioria dos alemães concorda com a avaliação de Lula.

O problema é que o status quo será, dizem as pesquisas, sacudido pela eleição: pela primeira vez, a extrema direita, xenófoba e anti-islâmica, chegará ao Bundestag, o Parlamento. Superará a cláusula de barreira (5% dos votos).

"Mutti" terá, pois, que conviver com filhos rebeldes, minoritários mas extremamente barulhentos.


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