Folha de S. Paulo


Pactos de sangue mundo afora

Se serve de consolo, saiba que não é só no hiperenlameado Brasil que a Odebrecht firmou "pactos de sangue" com os governos de turno, para usar a expressão empregada pelo ex-ministro Antonio Palocci para definir o relacionamento entre a empreiteira e os governos de seu partido.

Aliás, cabe discutir se não seria mais adequado chamar os governos Lula/Dilma de "governos da Odebrecht" (vale para quase todos os outros governos).

É notícia velha que a Odebrecht pagou US$ 1 bilhão em propinas em 12 países do mundo, 11 deles na América Latina e um na África (Moçambique).
Vale, no entanto, atualizar o andamento das investigações em alguns desses países para mostrar que, como no Brasil, o "pacto de sangue" foi feito com autoridades situadas no topo dos respectivos esquemas administrativos.

No Panamá, por exemplo, acaba de ser detido Demetrio Papadimitriu, ex-ministro da Presidência e, como tal, homem forte do então presidente Ricardo Martinelli (2009/2014).

A Odebrecht, segundo a denúncia, teria aberto uma conta para os pais de Papadimitriu na Banca Privada d'Andorra, conhecido paraíso fiscal, no valor de US$ 10 milhões.

No Equador, o funcionário na berlinda ocupa posto ainda mais alto e tem maior relevância política. Trata-se de Jorge Glas, o vice-presidente, aliás eleito faz pouco na chapa da Alianza País, encabeçada por Lenín Moreno.

Glas está na estranha situação de manter o cargo de vice-presidente, mas ter sido deixado sem funções pela Assembleia Nacional, além de proibido de sair do país.

O vice-presidente era, na verdade, o candidato preferido do então presidente Rafael Correa para sucedê-lo. Perdeu na disputa interna para Moreno.
Se, no Panamá, a investigação acua um governo de direita, no Equador o faz com um de esquerda —o que só mostra que a Odebrecht não liga para o tipo sanguíneo dos governantes com os quais faz pactos.

Na Colômbia, acaba de renunciar Luis Fernando Andrade, diretor da Agência Nacional de Infraestrutura e o primeiro funcionário de alto nível do governo Juan Manuel Santos a cair por causa da Odebrecht. Nem é preciso dizer que a Procuradoria colombiana anunciou que pretendia denunciá-lo por intromissão indevida em contratos, logicamente de infraestrutura —a área na qual as empreiteiras fazem seus pactos.

A suspeição sobre a idoneidade de governantes vem de tempos imemoriais. Lembro-me de uma frase que ouvia há uns 50 anos de minha avó, filha de italianos, que de vez em quando soltava sem mais aquela: "Piove, governo ladro". Maneira de dizer que até a chuva era culpa da roubalheira dos governos.

O caso da Odebrecht expõe com mais nitidez o outro lado do balcão (ou do pacto de sangue): é óbvio que, se há um corrompido, há de haver um corruptor —este necessariamente no setor privado.

Mas, até agora, salvo erro de memória, empresários e executivos ficavam longe dos holofotes e, por extensão, longe da cadeia. Romper o pacto de sangue é, talvez, a única maneira de livrar a América Latina de um capitalismo mafioso, uma das principais causas de seu atraso.


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