Folha de S. Paulo


O inferno veio para ficar

As portas do inferno parecem abertas de par em par. Não, não estou falando do Brasil ou só do Brasil. Estou falando do mundo.

Não por mero acaso que a onda de calor que calcinou em agosto a Itália e os Bálcãs tenha recebido o apelido eloquente de Lúcifer.

Que ninguém se faça de distraído e diga que não é culpa da mudança climática. Pode até não ser culpa direta, mas é a causa subjacente de fenômenos extremos como, por exemplo, a tempestade Harvey, que fez estragos consideráveis nos Estados Unidos e manchetes ao redor do mundo.

A explicação didática está na revista "The Economist", em texto que dá origem à capa desta semana:

"Mares mais quentes evaporam mais rapidamente e ar mais quente pode conter mais vapor d'água, que libera energia quando se condensa dentro de um sistema climático, alimentando a violência de tempestades e a intensidade dos dilúvios".

Continua: "A subida do nível do mar exacerba a irrupção de tempestades, contribuindo para as inundações. O Harvey foi inusualmente devastador porque ele repentinamente ganhou força antes de tocar terra na sexta-feira (25 de agosto); depois, permaneceu ativo, despejando sua chuva sobre Houston".

Em resumo, é "consistente com modelos de um mundo mais quente".

Tão mais quente que o calor infernal do verão no Hemisfério Norte levou dez países a decretarem alerta vermelho pelas altas temperaturas. "El País" lembra que em Córdoba, na Andaluzia, sempre faz muito calor no verão. Mas, este ano, houve cinco ondas de calor, caracterizadas por mais de três dias seguidos com temperaturas superiores aos 41,7 graus.

Comparação: até agora, só em quatro anos se haviam produzido duas ondas de calor no mesmo verão. Quando em um único ano, há cinco ondas, negar a mudança climática é negar as evidências.

Fosse só na Espanha, poderia passar por alguma maldição específica, mas em um distrito de Mumbai (Índia) caiu em dado dia de agosto a metade das precipitações habituais para todo o mês de agosto, segundo os dados históricos entre 1951 e 2000.

Para o conjunto do planeta, a resseguradora Munich Re calculou que o número de tempestades e inundações aumentou de cerca de 200 em 1980 para 600 em 2016, informa a "Economist".

O pior é que o inferno veio para ficar, conforme depõe, para o "New York Times", Noah Diffenbaugh, professor de sistemas climáticos da Stanford: "Investigações recentes sugerem que os fenômenos climáticos que rompem nossos esquemas históricos serão mais frequentes".

Fecha Diffenbaugh: "Meus colegas e eu estabelecemos recentemente que a mudança climática aumentou as possibilidades de que se produzam ondas de calor que batam recordes em 80% do planeta e que em 50% da Terra se produzam acontecimentos extremos de precipitações ou de seca.

E o tal de Trump ainda retirou os Estados Unidos do acordo de Paris sobre o clima, que pode não ser a estaca de madeira para matar Lúcifer, mas é o melhor instrumento até agora desenhado para eventualmente contê-lo.


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