Folha de S. Paulo


As Farc tomam Bogotá, em festa da democracia

Depois de 43 anos de guerra, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) desembarcam nesta sexta-feira (1º), na Plaza de Bolívar, no centro de Bogotá. É também o coração da Colômbia, o ponto onde se instalaram os edifícios simbólicos, do Palácio da Justiça ao Capitólio (o prédio do Congresso), passando pela Prefeitura e pela Catedral, para chegar, pouco adiante, à Casa de Nariño, a sede da Presidência.

Mas a chegada das Farc ao coração da Colômbia não é uma vitória da revolução e, sim, da democracia. "Nosso marco é a democracia liberal", diz Pastor Alape, membro do secretariado do grupo, em declarações ao "El País", na véspera do primeiro congresso na legalidade do grupo guerrilheiro (o congresso se encerra justamente na Plaza de Bolívar).

Raul Arboleda - 27.ago.2017/AFP
O líder das Farc, Rodrigo Londoño, o Timochenko, acena no congresso em que guerrilha virou partido
O líder das Farc, Rodrigo Londoño, o Timochenko, acena no congresso em que guerrilha virou partido

Para um grupo que nasceu, em 1964, como braço armado do Partido Comunista, adotar a democracia liberal como marco é uma mudança de dimensões históricas.

Ainda mais que o percurso do comunismo armado à democracia liberal deixou um rastro sangrento: foram mais de 260 mil mortos, cerca de 60 mil desaparecidos e ao menos 7,1 milhões de "desplazados", as pessoas forçadas a deixar suas casas. A festa das Farc bem que poderia servir de lição para vizinhos, em especial para Venezuela e Brasil.

Mais ainda o caso da Venezuela, porque, embora a liderança ainda se defina como "bolivariana", seja lá o que isso signifique hoje, um dos informes ao congresso prestes a terminar diz: "Não temos a pretensão de seguir de forma predeterminada algum modelo político ou econômico, já experimentado historicamente e com expressão no presente".

Ou, posto de outra forma, as Farc, apesar dos notórios laços e do apoio que historicamente tiveram da Venezuela chavista, não a adotam como "marco", ao contrário do que ocorre com a democracia liberal.

O novo programa das Farc ainda não foi oficialmente divulgado, mas tuítes que já vazaram elencam temas que também constam das agendas de partidos convencionais: proteção do meio ambiente, lutar contra a desigualdade, apoio à classe trabalhadora.

Para o Brasil, a lição é o fato de o grupo colombiano cravar o "diálogo político" como eixo de atuação, ao contrário do monólogo que está caracterizando a política brasileira. Enquanto, aqui, os principais partidos se fecham em si, as Farc anunciam a busca de uma ampla coalizão, "que supere os limites da esquerda", como diz Rodrigo Londoño, o "Timochenko", principal líder do grupo. Completa: "Temos que tomar consciência real da amplitude com que devemos nos dirigir à nação, sem dogmas nem sectarismos, alheios à qualquer ostentação ideológica, com propostas claras e simples".

Você já leu algo parecido de algum partido brasileiro, de direita ou de esquerda?

Claro que a vitória da democracia, simbolizada pelo ato desta sexta, não é o fim do caminho. Como diz editorial do jornal "El Espectador", "a saúde da democracia colombiana depende da seriedade de seus atores. Estarão à altura deste momento histórico ou sucumbirão ao sectarismo populista e aos velhos ódios?" Vale para a Colômbia, vale para o Brasil.


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