Folha de S. Paulo


Trump vai à guerra, contra os EUA

Pablo Martinez Monsivais - 15.ago.2017/Associated Press
O presidente dos EUA, Donald Trump, ouve pergunta de repórter durante entrevista coletiva na terça (15)
O presidente dos EUA, Donald Trump, ouve pergunta de repórter durante entrevista coletiva na terça (15)

Há pelo menos duas imprecisões no rótulo de "nação perigosa" que Gideon Rachman ("Financial Times") sapecou nos Estados Unidos e se tornou viral.

Primeiro, é preciso dar nome ao perigo: não é propriamente a América, mas seu presidente, Donald Trump. Segundo, o risco maior quem corre são os próprios americanos, mais que o resto do mundo.

Por partes. Parte 1: de onde vem o perigo? Responde em "Wired" J. M. Berger, analista que estuda o extremismo: "O presidente ganhou com uma plataforma e com uma campanha que reflete e amplifica as prioridades da "alt-right" em geral e dos nacionalistas brancos especificamente".

A "alt-right", como se sabe, é a extrema-direita, diretamente representada no gabinete de Trump por Steve Bannon, que, antes de se tornar estrategista-chefe de Trump, dirigia o grupo de mídia Breitbart.

Parte 2: a edição digital da "Foreign Policy" informa que, já em maio, o FBI e o Departamento de Segurança Interna haviam divulgado relatório no qual afirmavam que os supremacistas brancos tinham efetuado mais ataques do que qualquer outro grupo extremista doméstico nos últimos 16 anos.

E alertavam que esperavam mais ataques.

Uma compilação do Fundo Investigativo do Nation Institute confirmava o cálculo e ia além: relatava que, entre 2008 e 2016, ataques pela extrema-direita superavam os incidentes atribuídos a islamistas na proporção de 2 para 1.

Quase dá para dizer que a "alt-right" e parentes próximos são mais perigosos, pelo menos internamente, do que o Estado Islâmico.

Parte 3 e corolário: na revista "The New Yorker", Robin Wright cita um especialista do Departamento de Estado em conflito interno cuja estimativa é a de que "os EUA têm 60% de chances de uma guerra civil nos próximos 10 a 15 anos".

Antes, um "pool" informal de especialistas reunido pelo jornalista e historiador Tom Ricks produzira uma estimativa mais baixa, mas ainda assim assustadora: a chance de uma guerra civil chegava a 35%.

Pode ser especulação excessivamente alarmista, mas é prudente anotar a observação que fez nesta quarta (16) Chris Cillizza, editor da CNN: "Trump é o que esperávamos que fosse. E essa pessoa é o oposto de um líder. E essa pessoa é perigosa para o bem-estar deste país".

De fato, a retórica de Trump, primeiro como candidato e depois como presidente, abriu as portas para que o racismo, implícito nos Estados Unidos nos anos mais recentes, se tornasse explícito —e violento, como revelam os números sobre os atos da extrema-direita.

Era inevitável que a belicosidade do presidente norte-americano provocasse uma reação igualmente irada de seus críticos, a ponto de Jennifer Rubin, no "Washington Post", atacar não apenas Trump mas todos os que servem na Casa Branca: "É moralmente reprovável servir nesta Casa Branca, apoiando um presidente tão completamente despreparado para liderar".

Prepare-se, pois, para o que o jornalista e historiador Tom Ricks prevê: "Um sério e persistente período de violência política e disseminada resistência à autoridade política".


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