Folha de S. Paulo


Difícil dizer se Trump proporciona incompetência ou comédia pastelão

Alex Brandon - 1.ago.2017/Associated Press
O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de evento com microempresários na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de evento com microempresários na Casa Branca

A chamada para o programa "Zorra" (antigo "Zorra Total"), da Globo, queixa-se de que o humor está enfrentando dificuldades para competir com a realidade, mas vai continuar insistindo em fazê-lo.

Refere-se, claro, à realidade brasileira, que não é risível mas é ridícula no mais das vezes.

Quem diria que a realidade nos EUA de Donald Trump seria uma competidora ainda mais séria para os humoristas? É o que constata, por exemplo, o "Financial Times" ao se solidarizar com "os pobres dos roteiristas de Hollywood" que batalham, nestes seis meses da era Trump, para superar as palhaçadas geradas pela Casa Branca.

Não é a mesma constatação que serve de propaganda para o "Zorra"? E no país que é tido, justa ou injustamente, como o farol da democracia no mundo?

A bagunça na Casa Branca atingiu o ápice na semana passada, durante a qual se encenou um daqueles pastelões em que os personagens entram e saem de cena provocando confusão em cada uma das entradas e/ou saídas. Entrou um certo "Mooch", apelido de Anthony Scaramucci, financista transformado em assessor de comunicação. Pela outra porta, saiu Sean Spicer, o assessor de imprensa, que, aliás, já era figura parodiada com frequência nos humorísticos de TV.

Saiu também Reince Priebus, chefe de gabinete, acusado por "Mooch" de ser responsável pelo vazamento de dados, entre elas a dos gordos proventos do novo responsável pela comunicação. Aí, "Mooch" ataca também o estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon, em termos que jamais entrariam em "Zorra". Chegou a dizer que Bannon era um tremendo contorcionista, capaz de praticar "auto-felação".

A zorra era tanta que Scaramucci caiu apenas dez dias depois de assumir, mesmo tendo se declarado um apaixonado pelo presidente.

Por fim, os "marines" desembarcaram na Casa Branca, na figura do general John Francis Kelly, o novo chefe de gabinete. Tudo somado, tem-se o cenário descrito com precisão por Charles Blow, colunista do "The New York Times":

"Esta Casa Branca é agora uma selva de acusações selvagens, de egos fora de controle, de intolerância à espreita (...) A grama do lado de fora do Salão Oval (onde despacha o presidente) está cheia de cobras, e a pessoa nesse escritório não é melhor, talvez seja até pior".

Essa selva, conclui, "expõe Trump e sua suposta capacidade gerencial como uma fraude abjeta".

Minha memória não registra na mídia "mainstream" do Brasil contundência desse naipe contra qualquer governo recente ou não tão recente. Talvez Carlos Lacerda e sua "Tribuna de Imprensa" contra Getúlio Vargas, mas não é do meu tempo. Vista de longe, essa zorra pode até ser engraçada, mas há muitos analistas americanos preocupados com o estrago que ela está fazendo.

Um só exemplo: Yascha Mounk (Harvard) vê os EUA a caminho de uma "desconsolidação democrática". Conclui: "Trump está emulando crescentemente o livro-texto de homens-fortes popularmente eleitos que causaram profundos e duradouros danos às instituições democráticas de seus países".

Prefiro a nossa zorra.


Endereço da página:

Links no texto: