Folha de S. Paulo


A desigualdade, que nunca caiu, volta a sangrar

Por fim, aparece uma voz, no mundo político, capaz de apontar uma das mais terríveis consequências sociais da crise econômica: o aumento da desigualdade, essa chaga aberta no tecido social brasileiro desde sempre.

Quem faz a constatação —que deveria ser óbvia para todos, dada a profundidade da recessão e o consequente aumento do desemprego— é a Fundação João Mangabeira, centro de estudos ligado ao PSB.

Edson Silva - 25.ago.2011/Folhapress
Família mostra cartão do benefício do Bolsa Família
Garoto mostra cartão do benefício do Bolsa Família

Seu presidente, Renato Casagrande, escreve no boletim de análise publicado em junho:

"Esse ciclo recente de distribuição (de renda) sem reformas foi superficial e já terminou. Desde 2013 está em curso uma reversão dos ganhos obtidos, o que não deve nos surpreender. Nesse período, a economia brasileira experimentou retrocessos importantes em seu grau de complexidade e em sua inserção no sistema internacional."

Na verdade, nem ocorreu o ciclo recente de distribuição de renda, ao contrário do que diz a propaganda dos governos do PT, aceita acriticamente pela maior parte do jornalismo.

Há um punhado de fatos que demonstram que a desigualdade no Brasil não se mexeu, o que já citei em um punhado de textos. Por isso, limito-me a mencionar dois dados:

1 — A falácia da queda da desigualdade se apoia na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), que, no entanto, não capta a realidade. Como diz o estudo do PSB, "as entrevistas domiciliares praticamente só recolhem informações sobre salários, aposentadorias e pensões, deixando de fora lucros, dividendos e outros ganhos de capital, heranças, rendas resultantes de patrimônio, investimentos financeiros e atividades afins, que nunca são citados.

Ao subestimarem grandemente as rendas mais altas, essas pesquisas não conseguem captar o comportamento da desigualdade como um todo".

Por isso mesmo, Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, todos da UnB (Universidade de Brasília) e, os dois primeiros, também do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) mergulharam em dados do Imposto de Renda e chegaram à seguinte conclusão, conforme Pedro relatou à Folha:

"O alto grau de concentração de renda entre os mais ricos é a característica marcante da desigualdade brasileira. Com base em dados históricos do Imposto de Renda, busquei recuperar a história dessa desigualdade desde os anos 1920, quando éramos ainda um país rural, com população menor do que a do Estado de São Paulo hoje. De lá para cá, muita coisa mudou no Brasil, mas não a desigualdade. A concentração de renda no 1% mais rico da população adulta manteve-se em patamar alto, sem nenhuma tendência clara de longo prazo."

De fato, a pesquisa do trio mostra que os 5% mais ricos, que detinham cerca de 40% da renda total do país em 2006, passaram a abocanhar 44% em 2012.

2 — Um segundo dado relevante é mencionado no estudo do PSB: "Nos doze primeiros anos de existência, entre 2003 e 2015, o programa Bolsa Família distribuiu R$ 168 bilhões aos seus beneficiários, o que equivale a somente 37% do que o Estado gasta por ano com o pagamento de juros da dívida pública."

Posto de outra forma: em 13 anos, os mais pobres, beneficiários do Bolsa Família, receberam apenas pouco mais de um terço do que vai, por ano, para os mais ricos, portadores de títulos da dívida pública.

Se isso é distribuição de renda, é do conjunto da sociedade para os ricos, não dos ricos para os pobres.

Derrubada a propaganda de que a desigualdade se reduziu nos anos do PT, fica o desafio de enfrentá-la, o que, evidentemente, não está na agenda do atual governo.

Como é óbvio, trata-se de problema de tremenda complexidade, mas há pelo menos um ponto essencial que jamais é enfrentado: a tributação.

O trabalho da Fundação João Mangabeira mostra que as famílias pobres gastam 32% de sua renda em pagamento de impostos, enquanto as mais ricas gastam 21%.

"É uma decorrência inexorável do sistema tributário brasileiro, fortemente baseado em impostos indiretos, que incidem sobre o consumo. É muito baixa a tributação sobre propriedades, heranças e patrimônio em geral", diz o texto.

Completa: "O Imposto de Renda, por sua vez, penaliza fortemente a classe média, pois as rendas recebidas sob a forma de distribuição de lucros e dividendos, tipicamente apropriadas pelos mais ricos, estão isentas de tributação".

Conclusão: "O pequeno grupo que ganha mensalmente mais de 160 salários mínimos paga apenas 6,5% de imposto sobre sua renda total".

Eis um bom ponto para ser atacado pelos que gostam tanto de falar da necessidade de reformas estruturais.


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