Folha de S. Paulo


Console-se, Temer, com Trump é ainda pior

Para que ninguém diga que só sei criticar o presidente Michel Temer, ofereço hoje algumas gotas de consolação para o desânimo que o presidente está experimentando, segundo contou a sempre brilhante Mônica Bergamo na sua coluna desta segunda-feira (3).

Há, meu caro Temer, um presidente mais alvejado do que você. Chama-se Donald Trump. Minha memória não registra outro mandatário que tenha sido tão esculhambado (censurado de maneira áspera, rude, ofensiva, segundo o Houaiss).

Não são apenas críticas à ações, propostas ou palavras do presidente americano. É uma desqualificação ao seu nível de inteligência, em termos mais comuns em discussões de botequim do que em páginas de jornais ou publicações acadêmicas.

De certa forma, há um paralelismo com o que acontece com Lula, mas com uma diferença essencial: Lula foi —e ainda é— criticado por falta de educação formal mais ampla. Mas só mesmo os mais odientos são capazes de dizer que o ex-presidente é burro.

Trump, ao contrário, tem a educação formal completa (bacharelou-se pela Wharton School of Economics), mas nem por isso deixa de ser chamado de "energúmeno".

Não se trata de palavra empregada por jornalistas da CNN ou do "New York Times" ou do "Washington Post", três dos mais notórios críticos do presidente e seus alvos frequentes na guerra que diz estar travando contra eles.

"Energúmeno" apareceu em artigo do jornalista britânico John Carlin para "El País".

Escreveu Carlin, notável colunista que já colaborou com a Folha: "O que é incrível, o mais incrível e o mais aberrante da época que vivemos, é que o Congresso, o Tribunal Supremo, os governadores e os membros do gabinete presidencial dos Estados Unidos aguentem que semelhante energúmeno ocupe o cargo mais perigoso do planeta, que não o tenham destituído pelo bem de seu país e da humanidade".

Uau. Só mesmo nesses blogues beligerantes da extrema esquerda ou da extrema direita ter-se-á dito algo tão forte contra qualquer governante em qualquer rincão da Terra.

Nem mesmo a oposição venezuelana, esta sim em guerra aberta e justificada contra um governo ditatorial e fracassado, chama Nicolás Maduro de energúmeno.

Se fosse só um jornalista, ainda poder-se-ia dar um desconto (o uso de mesóclises é proposital). Afinal, se Trump se declara em guerra contra os meios de comunicação, é natural que tome o troco.

Mas também na academia, os dotes intelectuais do presidente são postos em dúvida em termos muito parecidos.

Um só exemplo: Max Boot, pesquisador-sênior para Estudos de Segurança Nacional do Council on Foreign Affairs, escreveu faz pouco um artigo cujo título é eloquente: "Donald Trump está se mostrando demasiadamente estúpido para ser presidente".

Boot cita um punhado de gafes do presidente para alicerçar sua tese, entre elas a de dizer, ao chegar a Israel vindo da Arábia Saudita, que "nós acabamos de voltar do Oriente Médio".

O pesquisador não se limita a criticar a "estupidez" de Trump. Salta para a conclusão de que "ele pode não ser capaz de levar adiante seus deveres como presidente".

Aí, sim, Temer encontra-se com Trump: a maioria dos brasileiros também acha que Temer não deveria continuar a cargo da Presidência.


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