Folha de S. Paulo


Reação de Temer é pior que a denúncia

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASÍLIA, DF, 21.05.2017: MICHEL-TEMER - O presidente Michel Temer concede entrevista exclusiva à Folha na biblioteca do Palácio da Alvorada em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
O presidente Michel Temer, durante entrevista exclusiva à Folha em Brasília, em maio

Mais grave do que a denúncia contra o presidente Michel Temer foi a reação a ela do próprio presidente. Com esta, Temer despiu-se do que restava da dignidade do cargo, veste que já era andrajos desde a noite em que recebeu, nos subterrâneos do Jaburu, o "notório criminoso" chamado Joesley Batista.

"Notório criminoso", caso alguém não se lembre, foi o rótulo empregado recentemente pelo próprio Temer, que, no entanto, só descobriu essa característica no seu interlocutor (e financiador, segundo a denúncia da Procuradoria) junto com todos os demais brasileiros. Inocente, coitado.

A reação do presidente mergulha com todo o gosto nos "fatos alternativos", a maneira moderna de difundir inverdades, o que demonstra que Donald Trump está fazendo escola.

Primeiro "fato alternativo": a insinuação de que o trabalho da Procuradoria é apenas uma tentativa de colocar obstáculos à genial gestão Temer: "'E exatamente neste momento, em que nós estamos colocando o país nos trilhos, é que somos vítimas dessa infâmia de natureza política", disse o presidente.

Ainda que fosse verdade que o país está entrando nos trilhos, qual seria o interesse em prejudicar essa possibilidade? Minar a popularidade de Temer? Ninguém precisa fazê-lo: já começou baixa desde a posse e só fez desandar desde então.

Eduardo Anizelli/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 27-06-2017, 15h30: O Presidente Michel Temer, faz discurso acompanhado de Deputados Federais, no Palacio do Planalto, em Brasilia. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
Michel Temer faz discurso no Palácio do Planalto, em Brasilia

O mais grave nem é essa teoria conspiratória descabelada. É a vil insinuação de corrupção contra Rodrigo Janot. Insinuação que Temer, cinicamente, chama de ilação autorizada pela circunstância de que o procurador-geral, sempre segundo o presidente, usou de uma ilação para denunciá-lo.

A ilação de Temer usa o ex-procurador Marcello Miller, que deixou a Procuradoria para atuar em escritório de advocacia que negociou acordo de leniência da JBS, a empresa do "notório criminoso" Joesley Batista.
Temer vai além: insinua que, assim como Janot sugere que Rodrigo Rocha Loures atuou em nome de Temer, Marcello Miller foi o "homem da mala" de Janot.

Que baixeza. São duas situações incomparáveis, por vários motivos, entre eles:

1 - Miller ganhou dinheiro legalmente, atuando como advogado. Não deveria, é claro, ter passado tão rapidamente pela porta giratória que dá acesso da Procuradoria ao setor privado, mas nada na lei o impede.
Já Rocha Loures foi flagrado com uma mala de dinheiro que recebeu de um agente da JBS, pouco depois de ter sido designado como homem da estrita confiança do presidente.

2 - Janot não recebeu Joesley, pelo menos até onde se sabe, na calada da noite. Temer, sim, o fez, para uma conversa em que deixou a dignidade do cargo na portaria, aquela portaria em que o "notório criminoso" não deu o nome –atitude aplaudida pelo presidente.

Vamos combinar o óbvio, já que Temer está fugindo dos fatos: aqui quem tem que se defender é Temer, apresentando argumentos convincentes, em vez de "fatos alternativos" e ataques a quem, por dever de ofício, o acusa.

Essa tática presidencial pode até dar certo, pelo menos aos olhos dos que vão julgá-lo no Congresso, boa parte dos quais igualmente sob suspeição. Mas é de uma indignidade assustadora.


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