Se eu tivesse sido pesquisado pelo Datafolha sobre sentir vergonha ou orgulho do Brasil, meu primeiro pensamento teria sido responder "vergonha". Mas o segundo teria sido "nenhuma nem o outro".
Explico: vergonha mesmo, daquelas sufocantes, senti em 1973, no período mais duro da ditadura militar. Estava em Buenos Aires, com minha mulher e meus amigos Ricardo e Mara Kotscho, e fomos assistir "Estado de Sítio", o filme de Costa-Gavras que estava proibido no Brasil.
À certa altura, a tela mostra uma cena de tortura e, ao fundo, a bandeira do Brasil. Tivemos vontade, os quatro, conforme comentamos depois, de nos enfiarmos debaixo das poltronas, de vergonha.
Essa época, sim, era motivo de vergonha do Brasil.
Éramos primitivos e selvagens. Hoje, o país continua primitivo mas é algo menos selvagem. Não chega a ser, claro, motivo de orgulho, daí porque minha tendência seria responder à pesquisa com "nenhuma das duas escolhas".
É claro que dá vergonha de ver o lamaçal em que a pátria está mergulhada. É igualmente claro que o lamaçal é o principal responsável pelo fato de a vergonha pelo Brasil ter quase duplicado este ano, passando dos 28% de dezembro passado para 47% agora.
O problema aí é que deveríamos ter sentido vergonha antes. O que está acontecendo agora é apenas a revelação de um fenômeno antigo, o que não deixa de ser uma faceta positiva do Brasil atual. Investigar e punir a corrupção é um avanço institucional.
Não custa lembrar que o país sempre esteve mal colocado no ranking da Transparência Internacional, o que mede a percepção de corrupção (no mais recente deles, relativo a 2016, ocupava a 79ª posição de um total de 176 países).
Em praticamente todos os rankings internacionais, dos mais diferentes assuntos, o Brasil fica em posição vergonhosa –e é assim desde que minha memória alcança.
Por isso mesmo, jamais entendi aquela musiquinha que diz "sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor".
Amor, ok. Amor dispensa explicações, racionalidade, estatística. Mas orgulho? Orgulho do quê, caras pálidas?