Folha de S. Paulo


O terror do olho por olho x valores vitais

É tentador colocar frase atribuída a mahatma Gandhi no cenário do atentado a muçulmanos na madrugada de domingo (18) nas imediações da mesquita de Finsbury Park, em Londres.

Ghandi teria dito que a continuar a onda de "olho por olho, o mundo terminaria cego" (há controvérsias sobre se a frase é realmente dele, mas não importa. O que importa é que ela parece bastante realista).

É lógico supor que o atropelamento de muçulmanos é uma vingança pelos atentados praticados por muçulmanos no Reino Unido nos últimos meses. Se não fosse essa a causa, o atacante não teria gritado, segundo as testemunhas, que queria "matar todos os muçulmanos".

Era apenas uma questão de tempo que um crime de ódio, como em geral são chamados esses atentados, ganhasse em dimensão. Afinal, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, contabilizou um crescimento de cinco vezes nos ataques islamofóbicos desde o atentado na ponte de Londres, há 15 dias.

Pelos registros policiais, houve quatro crimes diários com motivação antimuçulmana durante 2017, número que pulou para 20 após as mortes na ponte.

O grupo comunitário "Tell Mama" dá números ainda mais alarmantes: registrou 63 incidentes, três vezes mais, portanto, do que a polícia, o que indicaria baixa comunicação de tais crimes.

Seria trágico se essa escalada de ódio desmentisse a correta definição de Londres feita pela primeira-ministra Theresa May, após o atropelamento de muçulmanos: a cidade é –disse a premiê – "diversificada, acolhedora, vibrante, plena de compaixão, confiante e determinada a nunca render-se ao ódio".

Por isso, a capital britânica abriga "grande número de comunidades que, juntas, fazem de Londres uma das maiores cidades da Terra".

Khan, ele próprio muçulmano, acrescenta que o ataque da madrugada é "um assalto aos nossos valores compartilhados de tolerância, liberdade e respeito".

Dominar terroristas, portanto, é apenas parte da tarefa que cabe às autoridades. Fazer valer tais valores talvez seja até mais importante. Do contrário, Ghandi teria razão.


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